CONCEITOS BÁSICOS DE DIREITO
INTERNACIONAL
Introdução
Definição clássica de direito internacional: o conjunto de normas que governa
as relações entre os Estados. Esta definição, hoje em dia, não pode ser aceita
como uma descrição adequada e completa das intenções, objetivos e âmbito do
direito internacional, nem se pode acatar a sugestão de que o direito
internacional é uma questão que envolve somente os Estados. O direito
internacional consiste em normas que governam as relações entre os Estados, mas
compreendem também normas relacionadas ao funcionamento de instituições ou
organizações internacionais, a relação entre elas e a relação delas com o
Estado e os indivíduos. Além disso, certas normas do direito internacional
abrangem indivíduos e entidades que não pertencem ao Estado, de tal maneira que
seus direitos ou obrigações dizem respeito à comunidade internacional dos
Estados. O direito internacional, entre outros atributos, estabelece normas
relativas aos direitos territoriais dos Estados (com respeito aos territórios
terrestre, marítimo e espacial), a proteção internacional do meio ambiente, o
comércio internacional e as relações comerciais, o uso da força pelos Estados,
os direitos humanos e o direito internacional humanitário.
De
acordo com a intenção e os objetivos deste Manual,
não é necessário discutir aqui todos os aspectos do direito internacional. Este
capítulo, portanto, tem como foco aqueles aspectos que possuem relevância
direta para os tópicos de direitos humanos e direito internacional humanitário
contidos aqui, consistindo não mais do que uma introdução ao direito
internacional.
As
Fontes do Direito Internacional Introdução
Há muitas teorias diferentes que explicam a origem e a subseqüente
evolução do direito internacional. Teorias, como as relacionadas a conceitos de
lei natural, postulados morais e a doutrina do direito internacional, que
influenciaram o desenvolvimento do que é o direito internacional moderno. No
entanto, essas teorias não são suscitadas quando se trata da questão do que é
lei numa disputa entre Estados. O Estatuto da Corte
Internacional de Justiça (CIJ)
rege, em seu artigo 38.1, amplamente aceito como a listagem das fontes do
direito internacional, que:
1. A
Corte, cuja função é decidir, de acordo com o direito internacional, as
controvérsias que lhe são submetidas, aplicará:
a. as
convenções internacionais, sejam elas gerais ou específicas, estabelecendo
normas expressamente reconhecidas pelos Estados contestantes;
b. o
costume internacional, como evidência de uma prática geral aceita como lei;
c. os
princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. as
decisões judiciais e os ensinamentos dos publicistas mais altamente
qualificados das várias nações, sujeitos às disposições do artigo 59, como
meios subsidiários para a determinação das normas do direito.
Os
parágrafos a. - c. constituem as principais
fontes ao estabelecimento do que é o direito internacional; o parágrafo d. é de importância secundária,
conforme indicado pelo uso da expressão meios
subsidiários. Desta expressão deve ficar claro que a existência de meios
principais (a. - c.)
é necessária, e que os meios subsidiários (d.) somente terão um efeito
(adicional) qualificador e/ou clarificador. O artigo 38.1 cria uma
exclusividade em relação às fontes do direito internacional, e não permite que
se considerem processos legislativos de nenhuma das já mencionadas teorias
subjacentes ao direito internacional em geral. A CIJ certamente considerará
apenas as normas de direito que se afirmem estarem baseadas em um ou mais dos
processos legislativos mencionados em a.
- c., acima.
Seria
certamente excessivo aos propósitos deste Manual considerar em igual profundidade todas
as fontes dos processos legislativos mencionados no artigo 38.1 do Estatuto da
CIJ. Portanto, nossa atenção vai voltar-se aqui ao "costume" e aos
"tratados" como fontes principais do direito internacional. Os outros
processos foram agrupados sob o título Fontes
Adicionais, tendo em vista que são de menor importância ao uso prático
deste.
CostumeO
artigo 38.1b do Estatuto da CIJ define como costume
internacional a "evidência de uma prática
geral aceita como lei". Esta definição requer uma análise mais
apurada para ser entendida corretamente. A primeira exigência para o
estabelecimento do costume é a existência de uma prática geral nas relações
entre os Estados. Exemplos da existência de tal prática geral podem ser vistos
nas relações bilaterais e multilaterais entre Estados. Umaprática geral necessita ter natureza (habitual) consistente para ser reconhecida como tal.
Consistente, neste caso, significa a existência de uma freqüência repetitiva
bem como um período de tempo durante o qual a prática tenha ocorrido entre os
Estados. Contudo, a existência de uma prática geral, por si própria, é
insuficiente para a conclusão de que o direito internacional do costume sobre
um ponto específico exista realmente. É crucial para o reconhecimento de tal
prática geral, como parte do direito internacional do costume, que exista a
crença da obrigação legal por parte do(s) Estado(s) atuante(s) nessa prática.
Esta crença necessária é melhor conhecida por sua descrição em latim, opinio juris sive necessitatis.
A combinação de uma prática que ocorre regularmente (entre Estados) com a
crença subjacente (dos Estados) que tanto a prática quanto sua recorrência são
o resultado de uma norma compulsória é o que constitui direito internacional do
costume.
Provas
da existência das práticas gerais dos Estados podem ser encontradas, inter alia, na análise mais
detalhada dos atos ou declarações de Chefes de Estado e diplomatas, nas
opiniões de assessores jurídicos dos governos, nos tratados bilaterais, nos
comunicados de imprensa, nos comunicados oficiais de porta-vozes de governos,
nas leis dos Estados, nas decisões judiciais de tribunais dos Estados e nas
práticas militares ou administrativas dos Estados.
Tratados
O
artigo 38.1a do Estatuto da CIJ estipula, com relação a controvérsias
submetidas a esta, que aplicará:a. convenções internacionais, sejam elas
gerais ou específicas, estabelecendo normas expressamente reconhecidas pelos
Estados contestantes;
O termo
convenções internacionais aqui usado pode ser lido como sinônimo de tratados.A
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Convenção de Viena, 1969) define, em
seu artigo 2.1 tratados como sendo: "1. No que diz respeito à
presente Convenção: (a) 'tratado' significa um acordo
internacional firmado entre Estados na forma escrita e governado pelo direito
internacional, contido em um instrumento único ou em dois ou mais instrumentos
relacionados e qualquer que seja sua designação específica..."
A
natureza de um tratado é bilateral (entre dois Estados) ou multilateral (entre
mais do que dois Estados). A designação específica de um tratado (isto é, seja
este chamado de Pacto, Convenção, Protocolo ou Carta) tem apenas interesse
relativo. O importante, no entanto, é que um tratado, seja ele bilateral ou
multilateral, cria obrigações legais para os Estados signatários. Quando surge
uma disputa entre Estados a respeito de uma questão de um tratado específico
entre eles, as disposições daquele tratado - com relação aos direitos e deveres
dos Estados signatários - servirão de fonte primária de direito para a solução
da controvérsia. Maiores informações com relação aos tratados e a Convenção de
Viena podem ser encontradas sob o título O Direito dos Tratados, mais adiante.
Fontes
Adicionais O costume e os tratados não são as fontes exclusivas do direito
internacional, mas, para os objetivos do presente Manual que discorre sobre direitos humanos e
direito internacional humanitário para os encarregados da aplicação da lei, são
sem dúvida as fontes mais importantes. Apesar disso, é útil mencionar
brevemente fontes subsidiárias de direito internacional, sem contudo entrar em
detalhes sobre estas:
*
princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; * decisões
judiciais de cortes e tribunais internacionais; * ensinamentos dos publicistas
mais altamente qualificados das várias nações; * resoluções da Assembléia Geral
da ONU
A
importância legal das resoluções da Assembléia Geral da ONU é cada vez mais um
assunto em debate. No que diz respeito ao funcionamento interno da ONU, essas
resoluções possuem efeito jurídico pleno. A questão que permanece, no entanto,
é até que ponto tais resoluções são legalmente obrigatórias aos Estados
Membros, principalmente àqueles que votaram contra as mesmas. Os critérios
importantes para se determinar a obrigatoriedade subsistem no grau de
objetividade que cerca a adoção das resoluções e, ainda mais importante, até
que ponto uma resolução pode ser considerada a expressão da consciência legal
da humanidade como um todo. Este último aspecto é ainda mais importante do que
a maioria dos Estados simplesmente adotar a resolução. As resoluções emanadas
da Assembléia Geral estão recebendo um apoio cada vez maior por parte de
escritores e publicistas como um meio subsidiário para se determinar estados de
direito.
A
Relação entre o Direito Internacional e o Direito InternoDe maneira geral,
desde que um Estado cumpra com suas obrigações de acordo com o direito
internacional, como o faz não diz respeito ao direito
internacional. Em alguns casos, no entanto, os Estados concordaram em cumprir
suas obrigações de maneira específica. Freqüentemente é este o caso na área dos
direitos humanos, onde os Estados assumiram a responsabilidade de fazer com que
certas condutas (por exemplo, tortura e genocídio) sejam crime, e de puni-las
por meio de seus sistemas jurídicos nacionais.
Nem
todos os Estados concordam a respeito da relação precisa entre o direito
internacional e o direito interno. Na maioria dos Estados, considera-se que
ambos constituem um sistema jurídico único. Uma das conseqüências disto é que
uma norma de direito internacional, tão logo tenha sido definida como tal, se
tornará automaticamente parte do direito interno a vigorar nos tribunais.
Muitos desses Estados adotam o princípio da superioridade do direito internacional, isto é,
o direito internacional prevalecerá em caso de conflito entre uma norma deste e
outra da legislação nacional. Outros Estados vêem os dois tipos de direito
nacional como dois sistemas separados; embora cada um possa incorporar partes
do outro, são na verdade entidades distintas. Nesses Estados, uma norma
internacional (seja na forma de um acordo ou norma de costume) não será
considerada parte da legislação nacional até que seja formalmente incorporada
ao sistema jurídico do Estado (geralmente por meio de ratificação legislativa).
A forma com que um Estado vê essa relação terá impacto no cumprimento das
obrigações internacionais no nível doméstico. No entanto, sob uma perspectiva
internacional, é importante ter em mente que o direito internacional vincula
todos os Estados. Conforme será explicado, o Estado é responsabilizado caso o
direito internacional seja violado por um de seus agentes ou instituições. A
responsabilidade dos Estados também abrange a função de assegurar que seus
governos, suas constituições e suas leis os possibilitem a cumprir suas
obrigações internacionais. Ainda mais importante, um Estado não pode alegar
disposições em sua Constituição ou legislação nacional como escusa para
furtar-se a cumprir suas obrigações perante o direito internacional.
Personalidade
JurídicaComentários Gerais A questão do quem ou o quê são os sujeitos do direito internacional ou, em outras
palavras, se quem ou o quê tem personalidade
jurídica (isto é, a
competência jurídica para agir) frente ao direito internacional é de
importância crucial. A resposta a esta pergunta permite um discernimento do
real escopo do direito internacional, ao se definir se, e a extensão na qual,
pessoas físicas e jurídicas são (ou podem ser) vinculadas a seu teor, ou podem
a ele referir-se para proteção de seus interesses particulares. O direito
internacional define que entidades terão capacidade jurídica e qual a extensão
daquela capacidade em termos da competência de realizar certos atos. Desta
proposição conclui-se logicamente que a competência legal de diferentes
entidades podem diferir.
EstadosO
direito internacional trata primariamente dos direitos, deveres e interesses
dos Estados. Na verdade, até recentemente, considerava-se que somente os Estados teriam personalidade jurídica e,
conseqüentemente, somente eles poderiam ser sujeitos
do direito internacional. Este termo "sujeito do direito
internacional" refere-se ao que era considerado como capacidade exclusiva
dos Estados, ou seja:
* possuidor de direitos e deveres sob
o direito internacional; * possuidor
do privilégio regimental de ajuizar ação perante um tribunal internacional;* possuidor de interesses para
os quais é feita provisão no direito internacional;* competente para firmar
tratados com outros Estados e organizações internacionais.
Estes
qualificadores não são necessariamente cumulativos; a mera posse de um deles
por uma entidade (por exemplo, um Estado) é suficiente para qualificar aquela
entidade como sujeito do direito internacional. Quando tais características são
vistas conjuntamente com a legislação internacional de direitos humanos
vigente, fica evidente que a tese de sua exclusividade aos Estados não pode ser
mantida. A legislação internacional de direitos humanos define pessoas físicas
como sendo sujeitos do direito internacional, dando-lhes direitos e deveres, e
permitindo-lhes ajuizar ações perante tribunais internacionais ou mesmo
fazer-se representar em pessoa perante tais tribunais. Um tratamento mais
detalhado será dado adiante a outras
pessoas jurídicas ou sujeitos
do direito internacional.
Estados
são claramente sujeitos do direito internacional. Isto requer, porém, uma
definição mais clara de quais são exatamente os critérios identificadores de um
Estado. O artigo 10 da Convenção
de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados (1933) tem a seguinte redação:
O
Estado como pessoa [isto é, sujeito] do direito internacional deve possuir as
seguintes qualidades: (a) uma população permanente; (b) um território definido;
(c) governo; e (d) capacidade de estabelecer relações com outros Estados.
A
Convenção de Montevidéu é comumente aceita como reflexo, em termos gerais, dos
requisitos necessários para satisfazer a condição de Estado no direito internacional
consuetudinário. Argumenta-se que esses requisitos foram suplantados por outros
de caráter mais político ou moral - isto é, independência alcançada (i) de
acordo com o princípio da autodeterminação, e (ii) não seguindo políticas
racistas. A história confirma este argumento, tomando-se como exemplo a antiga
Rodésia do Sul e as práticas do antigo regime do apartheid na África do Sul, combinados com as
subseqüentes reações do Conselho de Segurança e Assembléia Geral da ONU,
respectivamente. No caso da Rodésia do Sul, o Conselho de Segurança impôs
sanções econômicas a esse país, após sua declaração de independência, em 1965,
e "[clamou] a todos Estados a não reconhecer este regime ilegal, racista e
minoritário". Nenhum Estado reconheceu a Rodésia do Sul como Estado,
embora pudesse ter alegado atingir todos os requisitos técnicos necessários
para satisfazer a condição de Estado, de acordo com a Convenção de Montevidéu.
Este exemplo serve como uma indicação clara do fato de que a independência deve ser alcançada de acordo com
o princípio da autodeterminação, o
qual é tido como sendo um
quesito adicional da condição de Estado. Da mesma forma, a Assembléia
Geral de 1976 condenou duramente a declaração de independência de Transkei (como parte da política doapartheid da África do Sul) e a declarou
inválida ao mesmo tempo que conclamou a todos os governos que "[neguem]
qualquer forma de reconhecimento ao suposto Transkei independente, abstendo-se
de manter qualquer relação com esse...". Subseqüentemente, nenhum Estado
(exceto a África do Sul) reconheceu Transkei como um Estado. A interpretação
prática de Estado neste ponto significa que o Transkei, como uma entidade criada diretamente
de uma política fundamentalmente ilegal do apartheid não é, por esta razão, um
Estado, não importando seu grau de independência formal ou real.
A
situação atual da Somália (com sua ausência de governo), bem como a situação da
antiga Iugoslávia (com sua divisão territorial de facto) antes do acordo de
Dayton, talvez ofereçam exemplos mais recentes da questão dos requisitos
(adicionais) da condição de Estado e as respectivas respostas da comunidade
internacional por intermédio da ONU.
Os
requisitos da condição de Estado de acordo com a Convenção de Montevidéu
merecem um exame e definição mais detalhados. Com respeito a população e território,
é importante saber que não existe limite mínimo em termos de tamanho. Tampouco
existe a necessidade das fronteiras do Estado estarem claramente definidas ou
sem disputas. Basta que o território tenha coesão suficiente, mesmo que suas
fronteiras ainda não estejam precisamente delimitadas. Israel, que é sem duvida
um Estado, muito embora suas fronteiras nunca tenham sido definitivamente
resolvidas, talvez possa servir como exemplo prático para este fim. A
existência de um governoé
outro requisito da condição de Estado. Significa a existência de uma forma
estável de organização política, bem como a capacidade das autoridades públicas
de afirmarem-se por todo o território do Estado. (Teria a Somália atualmente
condições de satisfazer esse requisito técnico da condição de Estado?). A
prática de Estado, com relação a esse ponto, sugere que o requisito de uma
"organização política estável", em controle do território do Estado,
não se aplica a situações de conflito armado após o estabelecimento próprio de
um Estado. A necessária capacidade
de estabelecer relações com outros Estados é uma referência direta à
independência dos Estados. Por independência, neste sentido, deve-se entender a
existência de um Estado separado, que não é sujeito à autoridade de nenhum
outro Estado ou grupo de Estados. Esta situação pode ser descrita como sendo
uma soberania externa,
significando que um Estado não tem outra autoridade sobre si mesmo do que
aquela do direito internacional. Do dito acima a respeito da declaração de
independência de Transkei, a conclusão importante a ser tirada é de que o reconhecimento do Estado (por outros Estados) é outro
principal requisito adicional da condição de Estado.
Outras
Pessoas JurídicasJá ficou estabelecido antes que a prática dos Estados abandonou
a doutrina de que eles são os únicos sujeitos do direito internacional. A
prática internacional ampliou a gama de sujeitos de direito internacional muito
além dos Estados, para incluir:
* Organizações públicas
internacionais(por exemplo, a ONU, a OTAN, a União Européia (UE), a OEA, o
Conselho da Europa, etc.)
Tais
organizações, criadas geralmente por um tratado multilateral, têm personalidade internacional de graus variados, visto que têm
capacidade (isto é, competência) para firmar tratados, têm certos privilégios e
imunidades, são capazes de possuir direitos e deveres internacionais e têm a
capacidade de ajuizar ações perante tribunais internacionais. Isto não faz com
que essas organizações sejam iguais a Estados, nem tampouco faz com que seus
direitos e deveres sejam os mesmos dos Estados.
* Indivíduos A
capacidade de indivíduos possuírem direitos e deveres sob o direito
internacional, bem como sua capacidade de ajuizar ações perante tribunais
internacionais, são reconhecidas nas práticas dos Estados. Essas capacidades
estão, por exemplo, incluídas nos vários tratados de direitos humanos. Faz parte do direito
internacional consuetudinário o fato das obrigações do direito internacional
vincularem diretamente indivíduos, independente da legislação de seus Estados.
O Tribunal de Nuremberg (criado após a Segunda Guerra Mundial para julgar
criminosos de guerra) reafirmou a importância desse princípio para a aplicação
eficaz do direito internacional. Foi declarado pelo do Tribunal que:
Os
crimes contra o direito internacional são cometidos por homens [e mulheres], e
não por entidades abstratas, somente ao se punir indivíduos que cometem tais
crimes é que as disposições do direito internacional podem ser executadas.
A
Assembléia Geral das Nações Unidas, na sua resolução de 11 de dezembro de 1946,
declarou a adoção dos princípios da Carta de Nuremberg e seu julgamento.
Na
medida em que não pode haver nenhuma dúvida quanto a indivíduos serem sujeitos
do direito internacional, considera-se que, na maioria das vezes, os indivíduos
são objetos do direito
internacional, e não sujeitos.
*
Outras Entidades Como exemplo de outra entidade temos A Santa Sé e a Cidade do Vaticano.
A Santa Sé é uma instituição não territorial, e a Cidade do Vaticano é
internacionalmente reconhecida como um Estado. No entanto, a ausência de um território
definido não constituiu nenhum empecilho para se conceder à Santa Sé
personalidade internacional, ou para que se reconhecesse a soberania e
jurisdição exclusiva da Santa Sé sobre a Cidade do Vaticano.
Jurisdição
do EstadoComentários Gerais O direito internacional estabelece
normas que definem os poderes dos Estados individuais para governarem pessoas e
propriedades. Essas normas, juntas, definem a chamada jurisdição do Estado.
Entre os poderes dos Estados individuais estão incluídos os poderes de legislação
(jurisdição prescritiva) assim como poderes de aplicação (jurisdição
aplicativa), tanto no sentido executivo quanto no sentido judicial da palavra.
É uma conseqüência natural disto que o poder e a autoridade do Estado para com
a legislação incluam os domínios civil e penal. As normas efetivas do direito
internacional que definem a jurisdição
do Estado identificam os
indivíduos e a propriedade dentro do âmbito permissível da legislação de um
Estado, e de seus procedimentos para aplicar a lei. O teor em si da legislação
de um Estado encontra-se além do âmbito do direito internacional, na medida em
que o Estado tem por finalidade sujeitar um indivíduo a sua jurisdição ou
prescrever procedimentos para aplicar sua jurisdição. De acordo com os objetivos
deste Manual, não é
necessário que se concentre em demasiado em todos os aspectos da jurisdição do
Estado, mas justifica-se um apanhado breve de questões específicas relacionadas
a este assunto.
Jurisdição
Penal Quando os Estados reivindicam a jurisdição penal de uma
determinada situação, a tendência é a de invocar um, ou mais, dos cinco
princípios abaixo:
* o princípio do território; * o
princípio da nacionalidade; * o princípio da proteção; * o princípio da
universalidade; * o princípio da personalidade passiva.
O princípio do território determina a jurisdição por referência
ao local onde o delito foi cometido, ou onde se deram seus efeitos
constituintes. O princípio
da nacionalidade determina
a jurisdição de acordo com a nacionalidade ou caráter nacional do infrator. O princípio da proteção determina a jurisdição por
referência ao interesse nacional prejudicado pelo delito. O princípio da universalidade determina a jurisdição por
referência ao local de custódia do infrator. O princípio da personalidade passiva determina a jurisdição por referência
à nacionalidade ou caráter nacional do indivíduo que sofreu o delito.
Os três
primeiros princípios são os mais utilizados e aceitos. O quarto princípio é
considerado como a base para uma competência auxiliar, exceto (é claro) com
relação ao delito da pirataria, para o qual é geralmente reconhecido o
princípio da jurisdição. O quinto princípio deve ser, na verdade, considerado
como um caráter secundário e observa-se que seu uso por um Estado não fica sem
ser contestado por outros. De qualquer forma, não é um princípio essencial para
qualquer Estado se seus objetivos são adequadamente atingidos pelos outros
princípios.
Imunidade
dos EstadosEra considerado uma norma do direito internacional o fato de que
os Estados gozavam de imunidade absoluta para não serem levados perante os
tribunais de outros Estados sem seu consentimento. Com a entrada dos Estados em
áreas como o comércio, começaram a praticar atos que poderiam ser igualmente
praticados por indivíduos e, portanto, agindo de
facto como indivíduos. Esses
atos privados praticados pelos Estados são chamados de atos jure gestionis, em
contraposição àqueles exercidos pelos Estados em sua capacidade pública e que
não podem ser exercidos igualmente por indivíduos. Alguns exemplos de atos públicos, também chamados de atosjure
imperii, são:
* atos
administrativos internos, como a expulsão de um estrangeiro;* atos
legislativos, como nacionalização;* atos relativos à atividade diplomática;*
empréstimos públicos.
A
característica desses atos públicos (jure imperii) não é apenas que a finalidade ou o
motivo do ato é o de servir aos objetivos do Estado, mas que o ato é, por sua
própria natureza, um ato governamental que difere de um ato que qualquer
cidadão possa praticar. Em sua prática vigente, a maioria dos Estados segue uma
doutrina de imunidade restritiva, na qual se concede a um outro Estado
imunidade apenas por atos jure
imperii. O critério que
distingue os atosjure imperii é que
será utilizado por um tribunal para decidir sobre questões de imunidade alegada
por um Estado.
Imunidade
DiplomáticaA Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (Convenção sobre Relações Diplomáticas,
1961) estabelece os privilégios e imunidades concedidos a missões diplomáticas
para garantir o desempenho eficiente de suas funções como representantes de
Estados. A Convenção sobre Relações Diplomáticas distingue os membros do corpo
diplomático da missão de outros membros, como os empregados administrativos,
técnicos e de serviços (artigo 10 ). A Convenção também estipula que as dependências da missão são
invioláveis(artigo 22). Sob a definição de "dependências da
missão" entende-se como sendo o(s) prédio(s) ou parte deste(s) incluindo o
terreno e área auxiliar, independente da titularidade da propriedade, usados
para os fins da missão e incluindo-se a residência do chefe da missão (artigo
1.i). Da mesma forma, as dependências da missão, sua mobília e outras
propriedades dentro destas e os meios de transporte da missão são imunes de busca,
requisição, penhora, ou execução (artigo 22.3). A correspondência oficial da
missão (isto é, toda correspondência relacionada à missão e suas funções) é
inviolável (artigo 27.2). A mala diplomática não será aberta ou retida (artigo
27.3), no entanto, somente poderá conter documentos diplomáticos ou artigos com
a finalidade de uso oficial (artigo 27.4).
A
pessoa do agente diplomático (isto é, o chefe da missão diplomática ou um
membro do corpo diplomático - artigo 1.e) é inviolável (artigo 29); estas pessoas
não podem ser sujeitas a nenhuma forma de prisão ou detenção. Um agente
diplomático tem imunidade diplomática da jurisdição penal do Estado anfitrião
(artigo 31.1). Esta disposição não exime, contudo, o agente da jurisdição do
Estado remetente (artigo 31.4). Os Estados remetentes podem abdicar da
imunidade de jurisdição de seus agentes diplomáticos (artigo 32.1). Esta
abdicação dever ser sempre expressa (artigo 32.2). Os Estados tendem a abdicar
da imunidade de seus agentes diplomáticos onde isto não impeça o desempenho das
funções da missão e com o intuito de manter boas relações com o Estado
anfitrião. Freqüentemente, os Estados usam do princípio da reciprocidade a este
respeito, e estendem privilégios e imunidades a um Estado remetente, na medida
em que este Estado tenha feito o mesmo como Estado anfitrião a agentes
diplomáticos do outro. O Estado anfitrião pode, a qualquer momento e sem ter de
explicar sua decisão, notificar o Estado remetente que o chefe da missão
diplomática ou qualquer um (outro) membro do corpo diplomático da missão é persona non grata ou inaceitável (artigo 9.1). Em
qualquer um dos casos, o Estado remetente deverá, conforme apropriado, remover
a pessoa em questão ou cessar suas funções junto à missão.
Pode-se
tirar da história inúmeros exemplos de pessoas que pedem asilo diplomático
dentro das dependências de uma missão diplomática em seu país. Esta questão foi
omitida na Convenção de Viena (deliberadamente) porque os Estados não queriam
reconhecer um direito geral a asilo diplomático. No entanto, quando tais
incidentes ocorrem, os países tendem a conceder tal asilo somente a refugiados
políticos e baseados em motivos de humanidade, em casos de perigo iminente ou
instantâneo ou pessoal, bem como, é claro,a seus próprios cidadãos em caso de
perigo. Uma situação de asilo de
facto deixa o Estado
anfitrião com um dilema insolúvel. Assumindo-se que o Estado de refúgio não
entregará o refugiado, o Estado do território só poderá apreender aquela pessoa
mediante violação da imunidade das dependências diplomáticas, de acordo com o
expresso no artigo 22 da Convenção sobre Relações Diplomáticas, ou então
rompendo relações diplomáticas. Em geral, este preço a ser pago por apreender o
refugiado é considerado muito alto.
Tem
sido argumentado (sem sucesso) que as dependências de uma missão diplomática
devem ser consideradas como parte do território do Estado remetente. Se esta
tivesse sido verdadeiramente a visão dos signatários da Convenção sobre
Relações Diplomáticas, a mesma teria sido formulada na Convenção, e não
haveria, portanto, a necessidade de estabelecer-se as imunidades das missões
diplomáticas, como foi feito no artigo 22.
Responsabilidade
do EstadoComentários GeraisO que acontece se um Estado se furta
de honrar um tratado do qual é signatário? O que acontece se um Estado viola a
soberania territorial de outro Estado? O que acontece no caso de maus tratos de
cidadãos de um Estado por outro Estado, ou no caso de violação da imunidade
diplomática?
Em
qualquer sistema jurídico deve haver uma responsabilidade pela não observância
das obrigações impostas por suas normas. Legislações nacionais distinguem entre
responsabilidade civil e penal, baseadas em atos deliberados ou negligentes, ou
omissões que constituem uma violação da lei. Em direito internacional, a
responsabilidade surge a partir da violação de qualquer obrigação devida sob o
direito internacional.
A
Teoria da ResponsabilidadeA Comissão do Direito
Internacional A Comissão do Direito Internacional é um corpo de especialistas
estabelecido sob o artigo 13.1(a) da Carta das Nações Unidas, para trabalhar na
"codificação e desenvolvimento progressivo do direito internacional".
A Comissão é composta de 34 membros, os quais "deverão ser pessoas de
reconhecida competência em direito internacional". Os membros participam
como indivíduos e não representantes de seus governos. Esses são eleitos pela
Assembléia Geral da ONU a qual "deverá ter em mente que .... seja
assegurada a representação, na Comissão como um todo, das principais formas de
civilização e dos principais sistemas jurídicos do mundo".
(CDI)
está atualmente redigindo um tratado sobre a questão da responsabilidade do
Estado. A minuta dos artigos redigidos até o presente especifica que todo o ato ilícito internacional por parte de um Estado resulta
na responsabilidade internacional daquele Estado. Tal ato ilícito internacional
é tido como real quando:
(a) a
conduta resultante de uma ação ou omissão é atribuível (imputável) ao Estado
perante o direito internacional; e(b) a conduta resulta na violação de uma
obrigação internacional daquele Estado.
Cada
Estado está sujeito à possibilidade de lhe ser atribuído o cometimento de um
ato ilícito internacional, resultando em sua responsabilidade internacional. É
um princípio do direito internacional que qualquer violação de um compromisso
resulta na obrigação de fazer uma reparação. A reparação é um complemento
indispensável da inobservância do cumprimento de um tratado e, portanto, não há
necessidade de que esta seja incluída no próprio tratado.,
Alguns
atos ilícitos internacionais resultam da violação, por parte de um Estado, de
uma obrigação internacional tão importante à proteção dos interesses
fundamentais da comunidade internacional que esta violação é reconhecida como
crime por aquela comunidade como um todo. Estes crimes internacionais podem resultar, inter alia, de:
(a) uma
violação séria de uma obrigação internacional de importância essencial à
manutenção da paz e segurança internacionais, tal como a que proíbe agressão;
(b) uma
violação séria de uma obrigação internacional de importância essencial à
proteção do direito de autodeterminação dos povos, tal como a que proíbe o
estabelecimento, ou manutenção pela força, de dominação colonial;
(c) uma
violação séria e em grande escala de uma obrigação internacional de importância
essencial à proteção do ser humano, tais como as que proíbem escravidão,
genocídio e apartheid;
(d) uma
violação séria de uma obrigação internacional de importância essencial à
proteção e preservação do ambiente humano, tais como as que proíbem poluição
massiva da atmosfera ou do oceano.
Já está
firmemente estabelecido que Estados podem ser responsabilizados tanto por atos
ilícitos civis quanto criminais. A responsabilidade existe não somente em casos
onde o próprio Estado é o perpetrador, mas também em situações onde a conduta
de uma pessoa ou órgão pode ser imputada ao Estado. A conduta de um órgão
Estatal será considerada, perante o direito internacional, como um ato daquele
Estado, seja o órgão pertencente ao legislativo, executivo, judiciário,
constitucional ou à outra autoridade, sejam suas funções de natureza
internacional ou nacional e independente de sua posição superior ou subordinada
na estrutura da organização do Estado.
Em
relação aos atos cometidos por funcionários públicos, em quaisquer que sejam
suas capacidades, sempre que se levantar dúvidas a respeito da execução
apropriada desses atos, as considerações mais importantes a serem levadas em
conta são o caráter dos atos que alegadamente resultaram em danos físicos ou
materiais, ou a natureza das funções exercidas na execução desses. Se os atos
em questão forem executados na capacidade oficial (pública) da pessoa em
questão, não obstante sua natureza e sua legalidade, então o Estado é
responsável por tais ações. Esta responsabilidade existe mesmo em situações
onde as ações são diretamente contrárias às ordens dadas por autoridades
superiores. O Estado em questão não pode refugiar-se atrás da noção de que, de
acordo com as disposições de seu sistema jurídico, aquelas ações ou atos de
omissão não deveriam ter ocorrido ou deveriam ter tido um curso diferente.
Somente onde os atos cometidos possam ser atribuídos a funcionários públicos
agindo em sua capacidade privada é que poderão não ser imputados ao Estado. Da
mesma forma, o Estado não é responsável perante o direito internacional pela
conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas que não agem em seu nome.
A
respeito da responsabilidade do Estado, as normas mencionadas são as mais
relevantes para os objetivos e intenções deste Manual. Estas deixam bem claro
que, no tocante aos encarregados da aplicação da lei, suas ações, quando
executadas em capacidade oficial, são imputáveis ao Estado e, conseqüentemente,
são uma questão de responsabilidade do Estado. Também ficou claro que esta
responsabilidade não cessa simplesmente porque leis nacionais proíbem a
execução ou omissão de certos fatos, ou por causa da existência de ordens
superiores com um intuito diferente.
O
princípio essencial inerente à noção de reparação de um ato ilegal é o de que a
reparação deve, tanto quanto possível, eliminar todas as conseqüências do ato
ilegal, e restaurar a situação que teria existido, com toda a probabilidade,
não fosse o ato cometido. Portanto, quando um Estado tem atribuído a si a perpetração
de um ato ilícito internacional, o Estado tem a obrigação de tentar remediar as
conseqüências deste. A reparação pode ser na forma de retribuição ou de
pagamento de uma soma igual à retribuição quando esta for impossível. Além
disso, o Estado pode ser levado a pagar indenização por perdas ou danos
sofridos pela parte lesada.
O
Direito dos TratadosComentários GeraisConforme explicado acima,
sob o título: As Fontes do Direito Internacional, os tratados bilaterais e
multilaterais existentes constituem uma base importante para a determinação dos
direitos e obrigações dos Estados signatários. A elaboração de um tratado é
freqüentemente usada para conduta de relações internacionais de vários tipos,
mas também para impor normas vinculantes, com precisão e detalhe, em várias
áreas do direito internacional (por exemplo, direitos humanos, meio ambiente,
direito internacional humanitário). Outra característica de muitos tratados é
que estes podem ser vistos como uma clarificação, codificação ou suplementação
do direito internacional consuetudinário. O direito internacional em relação
aos próprios tratados está fundamentado naConvenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados (Convenção
de Viena, 1969). Esta Convenção representa a codificação das normas do direito
internacional consuetudinário com respeito a tratados e não é contestada a este
respeito. Já foi dito que a maior parte da Convenção consiste de "leis
para advogados", sobre as quais não há conflito entre os interesses
políticos dos Estados. A importância da Convenção para o dia-a-dia das relações
entre os Estados é clara por si só, e aceita como tal pelos Estados, deixando
talvez como única área possível de disputa aquela que diz respeito à
interpretação dos tratados entre eles.
Este
capítulo considerará somente as partes do direito dos tratados que têm
importância e relevância direta ao assunto do presente Manual. Não é, portanto,
completo.
A
Elaboração dos TratadosA Convenção de Viena define tratado como sendo:
um
acordo internacional concluído entre Estados na forma escrita egovernado pelo
direito internacional, contido em um instrumento únicoou em dois ou mais
instrumentos relacionados e qualquer que seja suadesignação específica... (artigo 2.1 a)
Todo Estado possui a capacidade
de firmar tratados (Convenção de Viena, artigo 6). Esta capacidade constitui,
em si evidência da condição de Estado tal como prescrito na Convenção de
Montevidéu já mencionada. A forma com que o Estado organiza seus poderes na
elaboração de tratados é de sua própria conta. Os tratados são normalmente
firmados na forma de acordos
entre Estados, acordos entre Chefes de Estado, ou acordos intergovernamentais.
Os
artigos 70 e 80 da Convenção de Viena clarificam quais as pessoas que podem
representar um Estado para os propósitos de adotar ou autenticar o texto de um
tratado, ou com a finalidade de expressar o consentimento do Estado a ser
obrigado por um tratado. Geralmente essa competência pertence a uma pessoa que
apresente plenos poderes(artigo
7.1(a)), isto é, um documento originário da autoridade competente de um Estado
designando alguém para representá-lo em determinado ato relacionado ao tratado.
Considera-se
que os Chefes de Estado, os líderes do governo e os ministros das relações
exteriores representam seu Estado pela própria natureza de suas funções, sem a
necessidade de apresentarem plenos poderes (artigo 7.2 a). Podem ser concedidos
poderes limitados, para a adoção do texto de um tratado em nome de seu Estado,
aos chefes de missões diplomáticas (artigo 7.2 b) ou a representantes
credenciados pelos Estados para uma conferência internacional ou organização
internacional, ou um de seus órgãos. A Convenção de Viena estabelece normas
para a adoção do texto de um tratado (artigo 90). Há diferentes maneiras pelas
quais os Estados podem expressar sua vontade de serem vinculados ao teor de um
tratado. A maneira específica dependerá do que foi acordado no próprio tratado. O consentimento de um Estado
para vincular-se a um tratado pode ser expresso através de assinatura, troca de
instrumentos constituintes de um tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou
acessão, ou por qualquer outro meio desde que acordado (artigo 11). Acessão é o
método tradicional pelo qual um Estado, em certas circunstâncias, torna-se
parte de um tratado do qual não foi signatário. Durante o século dezenove, a
ratificação era considerada como meio de verificação e confirmação pelo
soberano de que seu representante tinha agido realmente com plenos poderes.
Atualmente, a ratificação constitui um ato separado, que vincula
definitivamente um Estado a um tratado, sendo necessário sempre que um tratado
assim o prescreva.
É um
preceito do direito internacional consuetudinário - reiterado na Convenção de
Viena - que um Estado fica
obrigado a abster-se de cometer atos que contrariem o objeto e a finalidade de
um tratado quando:
(a) o
Estado firmou o tratado ou trocou instrumentos constituintes do tratado sujeito
à ratificação, aceitação ou aprovação, até que tenha deixado clara sua intenção
de não se tornar signatário do tratado; ou
(b)
expressou seu consentimento de vincular-se ao tratado, aguardando o período da
entrada em vigor do tratado, desde que esse período não seja estendido indevidamente
(Convenção de Viena, artigo 18).
Às
vezes acontece de um Estado não desejar ser parte de um tratado em sua
totalidade, mas apenas de parte deste. Neste caso, o Estado em questão
formulará uma ou mais ressalvas
ao tratado quando da
assinatura, ratificação, aprovação, ou acessão a este. A legislação
internacional dos direitos humanos fornece muitos exemplos deste desejo e desta
prática. As ressalvas são permitidas a menos que:
(a) a
ressalva seja proibida pelo tratado;
(b) o
tratado prevê que somente ressalvas específicas, as quais não incluem a
ressalva em questão, podem ser feitas; ou
(c) nos
casos não previstos em (a) e (b) acima, a ressalva seja incompatível com o
objeto e finalidade do tratado (Convenção de Viena, artigo 19).
A
Comissão de Direito Internacional (CDI) é da opinião que a maioria das
ressalvas relacionam-se a pontos específicos que um Estado, em particular, por
uma razão ou outra, acha difícil de aceitar. Seus efeitos na integridade geral
do tratado são, freqüentemente, mínimos, ocorrendo o mesmo ainda que a ressalva
em questão se refira a uma disposição comparativamente importante do tratado,
desde que esta não seja feita por mais do que alguns Estados. A integridade de
um tratado somente será afetada materialmente se uma ressalva do tipo
substancial for feita por um número razoável de Estados. Hoje em dia, as Nações
Unidas são compostas de 187 Estados membros, com circunstâncias sociais,
econômicas, culturais e políticas diferentes. A chave para o sucesso, de acordo
com a CDI, são tratados multilaterais aos quais um grande número de Estados
adere, aceitando a maior parte de suas disposições. A CDI considera que a
falha, por parte dos Estados, em tomar as medidas necessárias para tornarem-se
partes de acordos multilaterais, é um obstáculo maior ao desenvolvimento do
direito internacional, por meio de tratados, do que a possibilidade da
integridade dos tratados seja indevidamente enfraquecida pela aceitação liberal
de Estados signatários que façam ressalvas. No entanto, deve-se atentar para a
prática de fazer ressalvas a respeito de tratados sobre direitos humanos, onde
é honestamente difícil de se argumentar que certas ressalvas feitas por Estados
a alguns tratados (vide, por exemplo, a Convenção das Mulheres) na verdade não
estão frustrando o objeto e finalidade de tais tratados. Este problema só
poderia ser resolvido se a CDI fosse requisitada a proferir um parecer
consultivo a respeito. Até o presente, tal requisição ainda não foi feita
(exceto no caso da Convenção do Genocídio). A questão das ressalvas em tratados
sobre direitos humanos será tratada em maior profundidade no capítulo dos
direitos humanos.
Um
tratado entra em vigor da forma e na data prevista nele ou da forma acordada
entre os Estados signatários dele (Convenção de Viena, artigo 24). Todo tratado
em vigor é vinculante aos Estados Partes e deve conseqüentemente ser executado
em boa fé (artigo 26). Esta norma - pacta
sunt servanda - é um
princípio fundamental do direito internacional e do direito dos tratados.
Conforme já observado na seção sobre a responsabilidade do Estado, um Estado
não pode alegar as disposições de sua legislação interna como justificativa
pelo não cumprimento de um tratado (Convenção de Viena, artigo 27). A exceção à
norma do artigo 27 é definida no artigo 46, sendo limitada às situações onde a violação (da legislação nacional consentindo na
vinculação ao tratado) fora
óbvia e tratava-se de uma norma de sua legislação nacional de vital
importância. Uma violação
é óbvia se esta for objetivamente evidente a qualquer Estado agindo na matéria
em questão com a prática normal e em boa fé.
Jus
CogensO artigo 53 da Convenção de Viena estipula que:
Um
tratado é nulo se, quando da sua conclusão, este for conflitantecom uma norma
peremptória do direito internacional geral. No que toca àpresente Convenção,
uma norma peremptória do direito internacional geral éuma norma aceita e
reconhecida, pela totalidade da comunidade internacionaldos Estados, como sendo
uma norma da qual nenhuma derrogação é permitidae a qual somente pode ser
modificada por uma norma subseqüente de direitointernacional geral que tenha o
mesmo caráter.
Há uma
longa controvérsia sobre o assunto de quais normas (do direito internacional
geral) podem ser consideradas como sendo normas
peremptórias daquele
direito. No sentido gramatical, a palavra peremptório é, inter alia, sinônima de
compelativo, obrigatório, sem apelação, irrefutável, imperativo, sendo
indicativa das normas que devem ser tomadas como fundamentais e intocáveis.
Evidencia-se também pelo fato de que uma norma peremptória (do direito
internacional geral) só pode ser modificada por uma norma peremptória
subseqüente (também do direito internacional geral). As normas peremptórias do
direito internacional geral são também chamadas de jus cogens. Na confecção
da Convenção de Viena houve uma clara relutância, por parte da CDI, em incluir
exemplos de normas do jus
cogens na Convenção. Isto
se deveu principalmente ao fato de que a simples menção de alguns casos de jus cogens, ainda que com uma
redação muito cuidadosa, poderia levar a problemas de interpretação com relação
à posição em outros casos. Essa relutância não se limita à CDI, mas aparenta
ser uma atitude mais geral, presente em toda a literatura disponível. Há ainda
aqueles que argumentam que não existem normas de jus cogens, pois mesmo as
normas mais gerais ainda não seriam universais. Apesar disto, é possível se
achar argumentos em prol das normas jus
cogens, incluindo os da
proibição do uso da força pelos Estados (contidos na Carta das Nações Unidas),
as proibições contra genocídio, escravidão, discriminação racial, tortura, e a
afirmação do direito à vida de todas as pessoas. O jus cogens e as normas peremptórias do direito
internacional geral são as normas das quais nenhuma derrogação é permitida. Os
tratados firmados entre Estados não devem entrar em conflito com tais normas e,
quando isto ocorrer, os tratados tornam-se nulos. É discutível se um tratado
inteiro deve ser considerado nulo quando somente uma de suas disposições é
incompatível com as normas do jus
cogens, principalmente quando essa pode ser removida do tratado.
O
artigo 64 da Convenção de Viena estipula que se
surgir uma nova norma do direito internacional geral, qualquer tratado
existente que esteja em conflito com aquela norma torna-se nulo e cessa sua
existência.
O uso
da expressão surgir deve ser entendido como referência a
uma nova norma de jus cogens, que era previamente uma norma de
direito internacional consuetudinário ou uma norma incorporada a um tratado
multilateral. Faz-se referência, neste sentido, ao processo de evolução
constante das normas do direito internacional, onde o uso entre Estados torna-se
direito internacional consuetudinário e uma norma de direito internacional
consuetudinário pode chegar ao nível de uma norma peremptória da qual nenhuma
derrogação é permitida. A proibição absoluta da tortura pode servir como
exemplo de uma norma que evoliu desta forma. É facilmente argumentável que
qualquer tratado advogando ou permitindo o uso da tortura seria nulo de acordo
com o artigo 64 da Convenção de Viena.
Término,
Suspensão, RetiradaO artigo 42 da Convenção de Viena estipula
que
o
término de um tratado, sua renúncia formal, ou a retirada de um dos seus
signatários somente pode ocorrer como resultado da aplicação de suas
disposições, ou das disposições da presente Convenção. A mesma norma se aplica
à suspensão da operação de um tratado.
A Convenção
de Viena estabeleceu, em seus artigos 54 a 79, os requisitos necessários para o
término, suspensão e retirada. Não é necessário, para os fins deste Manual, entrar em detalhes a respeito
deste aspecto dos tratados. É importante, no entanto, estar a par da
possibilidade de tais medidas, bem como da norma geral do artigo 42.2. Os
tratados no campo dos direitos humanos e direito internacional humanitário
tendem a incluir disposições para lidar com o término, a suspensão e a
retirada, que nesse caso terão efeito vinculante total sobre os Estados
membros. Vide, por exemplo, o artigo 63 da Primeira Convenção de Genebra de
1949, ou o artigo 12 do Protocolo Facultativo ao PIDCP.
Arbitragem
e Solução de ControvérsiasComentários GeraisAs relações entre
Estados não são sempre amigáveis e baseadas em opiniões compartilhadas, ou em
acordos alcançados por consenso. As controvérsias entre Estados surgem, e podem
ser basicamente de qualquer tipo, incluindo as que surgem em função das
relações decorrentes dos tratados entre Estados. A resolução de tais
controvérsias é importante, não somente do ponto de vista de aprofundar as
relações amigáveis entre os Estados, mas também constitui uma área interessante
do direito internacional. Geralmente pode afirmar-se que os Estados tentarão
resolver suas disputas por meio da negociação ou mediação, às vezes com a ajuda
de terceiros, na forma de bons ofícios, ou por meio de conciliação ou com o uso
de averiguações na busca de fatos. São raros os casos em que os Estados
resolverão suas diferenças no tribunal. Em alguns casos, a ajuda de terceiros
mencionada acima é fornecida pela ONU, ou por uma das organizações regionais
como a OEA ou OUA. Este tipo de acordo pacífico das controvérsias deixa em
aberto opções para chegar a acordos que não são necessariamente baseados no
direito internacional, mas que têm o apoio das partes de uma determinada
disputa. O acordo por intermédio da arbitragem ou de um tribunal envolve
necessariamente a aplicação de normas do direito internacional, que limita as
opções para a solução de controvérsias. Outro problema que pode ocorrer a nível
internacional é a ausência, na maioria dos casos, de uma jurisdição compulsória
para a solução de controvérsias entre os Estados, ou para casos em que não se
observam as normas gerais do direito internacional. Para o propósito deste Manual, nós nos concentraremos
na arbitragem e no Tribunal Internacional de Justiça. Os recentes
acontecimentos em Ruanda e na antiga Iugoslávia pedem uma análise mais
detalhada do fenômeno dos tribunais criminais internacionais.
ArbitragemA
Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais (Convenção de Haia No I,
1907) define o objeto da
arbitragem como sendo a solução de controvérsias entre Estados por juízes de
sua própria escolha e com base no respeito pela lei (artigo 37). A CDI definiu a
arbitragem como sendo um procedimento de resolução de controvérsias entre
Estados por um juízo arbitral com base na lei, e como resultado de uma
incumbência aceita voluntariamente. A única diferença que resta entre a
arbitragem e o acordo judicial é a seleção dos integrantes desses órgãos
judiciais. Enquanto na arbitragem isto é feito com base em acordo entre as
partes, o acordo judicial pressupõe a existência de um tribunal permanente com
seu próprio painel de juízes e regimento interno de juízo, que devem ser
aceitos pelas partes da disputa. Os tribunais de arbitragem podem ser
constituídos de um único arbitrador ou serem órgãos colegiados - o essencial é
que haja o consenso dos Estados envolvidos na disputa sobre sua composição.
A
precursora da mencionada Convenção de Haia de 1907, a Convenção de mesmo nome
de 1899, previu o estabelecimento da Corte
Permanente de Arbitragem, o que aconteceu em 1900. A Corte ainda
existe, mas tem pouca reputação e poucos casos são a ela referidos. O Estatuto
da Corte contém fórmulas para o estabelecimento de tribunais de arbitragem com
base em acordos entre os Estados e, ao mesmo tempo, oferece soluções para
situações onde haja empate no número de votos. A Corte não registrou muitas
façanhas, porém considera-se que tenha influenciado na área da resolução
pacífica de controvérsias mediante moldagem do direito moderno e a prática da
arbitragem, especialmente nos primeiros anos deste século.
O
resultado da arbitragem, o juízo pelo tribunal, é obrigatório às partes
da disputa, embora a história tenha mostrado que um Estado pode decidir em não
o aceitar.
A Corte
Internacional de JustiçaA Corte Internacional de
Justiça (CIJ) deve ser considerada como a corte internacional mais importante
atualmente em existência. Há outras cortes internacionais, tais como a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Européia de Direitos Humanos, e o
Tribunal de Justiça Europeu da União. Cada uma das três cortes, contudo,
somente tem jurisdição limitada para adjudicar queixas entre Estados submetidas
a elas, de acordo com os tratados que as instituem.
A CIJ é
o órgão judicial das Nações Unidas e foi estabelecida em 1946 com base no
artigo 92 da Carta da ONU. A CIJ é organizada de acordo com seu Estatuto (que é
parte da Carta da ONU) e tem tido seu foro tradicionalmente sempre em Haia, nos
Países Baixos. Os juízes da CIJ são eleitos pelo Conselho de Segurança e Assembléia
Geral da ONU por meio de um procedimento complicado (vide artigos 40 a 14 do
Estatuto da CIJ). Sua nomeação é um processo altamente politizado. O
entendimento corrente a respeito da distribuição das quinze vagas da CIJ (em
termos de nacionalidade e blocos de poder) corresponde à representação no
Conselho de Segurança. Isto significa, inter
alia, que a CIJ tem um cidadão de cada um dos cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança (EUA, Grã-Bretanha, França, China e Rússia). A CIJ
profere um único juízo, porém permite que juízes emitam seus pareceres. O juízo
da CIJ é obrigatório aos Estados Partes da disputa.
A
jurisdição da CIJ relaciona-se à decisão de causas contenciosas e à pronúncia
de pareceres consultivos, nenhuma das quais pode ser
exercida por sua própria volição. A jurisdição da CIJ compreende todos os casos
que forem a ela submetidos, e todas as matérias especificamente fornecidas pela
Carta da ONU ou nos tratados e convenções em vigor (artigo 36.1 do Estatuto). Os Estados podem, a qualquer
tempo, declarar que aceitam a jurisdição compulsória da CIJ em todas as
controvérsias legais a respeito:
a. da
interpretação de um tratado;b. qualquer questão de direito internacional;c. a
existência de um fato que, se confirmado, constituiria uma violação de uma
obrigação internacional;d. a natureza ou extensão de uma reparação a ser feita
pela violação de uma obrigação internacional (Estatuto, artigo 36.2).
Tal
declaração pode ser feita incondicionalmente ou condicional à reciprocidade da
parte de certos ou vários Estados, ou por um certo tempo (Estatuto, artigo
36.3). O artigo 38 do Estatuto (apresentado no início deste capítulo)
estabelece exaustiva e especificamente os diferentes instrumentos disponíveis à
Corte para determinar as normas de direito aplicáveis a um determinado caso
trazido perante ela.
Além da
jurisdição sobre os casos trazidos pelos Estados de acordo com seu Estatuto, a
CIJ pode dar um parecer consultivo sobre qualquer questão jurídica, quando for
requisitada por qualquer um dos organismos autorizados a fazer tal requisição
pela Carta da ONU, ou de acordo com ela (Estatuto, artigo 65.1). O Conselho de
Segurança e a Assembléia Geral estão autorizados "pela" Carta da ONU
(artigo 96.1) a requerer tais opiniões da CIJ. O ECOSOC e o Conselho de Tutela
foram autorizados "de acordo" com a Carta da ONU a fazê-lo, bem como
treze das quatorze agências especializadas das Nações Unidas (artigo 96.2 da
Carta). O órgão principal restante da ONU - o Secretariado - não foi autorizado
a requerer pareceres consultivos à Corte. As opiniões da Corte são obrigatórias
para o órgão requerente, e a tendência é de que estas também sejam aceitas e
seguidas pelos Estados concernentes, embora a história propicie exemplos de
casos em contrário. Os Estados não têm capacidade para requerer pareceres
consultivos à Corte; todavia, em vista dos artigos 66.2 e 66.4 do Estatuto,
estes têm o direito de participar dos autos dos processos perante a Corte e
exprimir suas próprias opiniões, bem como quaisquer comentários que possam vir
a ter sobre as opiniões expressadas por outros.
Tribunais
Criminais InternacionaisOs primeiros tribunais
criminais internacionais a serem organizados foram os Tribunais de Nuremberg e
de Tóquio, ambos criados logo após a Segunda Guerra Mundial. O Tribunal Militar
de Nuremberg passou a existir em 8 de agosto de 1945, quando representantes da
União Soviética, do Reino Unido, dos Estados Unidos, e do governo provisório da
República Francesa assinaram o Acordo para o Processo e Punição dos Grandes Crimes
de Guerra do Eixo Europeu, também conhecido por Acordo de Londres. Por meio do
acordo, foi criada a Carta do Tribunal Militar Internacional, que estabeleceu o
regimento interno de juízo e normas substantivas a serem aplicados pelo
Tribunal. O Tribunal de Tóquio (o Tribunal Militar Internacional para o Extremo
Oriente) foi criado por proclamação especial do Comandante Supremo dos Aliados
no Pacífico, no dia 19 de janeiro de 1946. Até muito recentemente, estes eram
os únicos tribunais criminais internacionais criados pela comunidade
internacional dos Estados.
Os
horrores contra a humanidade constituídos pelas atrocidades e atos de genocídio
cometidos em Ruanda, em 1994, e os atos de genocídio, crimes de guerra e crimes
contra a humanidade cometidos no território da antiga Iugoslávia levaram à
criação de dois Tribunais Criminais Internacionais, que possuem o dever de
levar indivíduos responsáveis por atrocidades a julgamento. O exato mandato de
cada um desses Tribunais não é particularmente importante no presente contexto.
É mais interessante e significativo considerar a base jurídica para sua
criação. A questão principal que a ONU enfrentou foi decidir se os tribunais
deveriam ser criados por meio de um tratado multilateral ou de uma resolução do
Conselho de Segurança. Ficou claro que a elaboração de um tratado levaria muito
tempo. Além disso, havia dúvida se o tratado seria ratificado por todos os
Estados cujos esforços seriam necessários para implementá-lo com êxito. Essas
considerações fizeram com que ambos os tribunais fossem criados por uma
resolução do Conselho de Segurança da ONU. Promulgando a resolução, o Conselho
de Segurança da ONU evoca sua autoridade do Capítulo VII da Carta da ONU.
Dentro do contexto do Capítulo VII, as resoluções estabelecendo os Tribunais da
Iugoslávia e Ruanda devem ser vistas como medidas
... para manter ou restaurar a paz e segurança internacional (Carta da ONU, artigo 39). O
pré-requisito para tais medidas é que o Conselho de Segurança, por resolução,
determine a existência de
qualquer ameaça à paz, violação da paz, ou ato de agressão... (Carta da ONU, artigo 39). O Conselho
de Segurança, em resoluções anteriores, já havia feito a determinação
necessária pelo artigo 39 da Carta para justificar recomendações ou medidas,
conforme definições contidas no Capítulo VII.
Esta
abordagem para estabelecer um tribunal criminal internacional nunca antes havia
sido feita e tem conseqüências distintas. Os Estados Membros da ONU são
legalmente obrigados a obedecer às decisões que estabeleceram ambos os
Tribunais (vide artigos 2.5, 25 e 48 da Carta da ONU, em relação a seu artigo
49). Esta obrigação de obedecer é vista como sendo de importância crucial para
que se tragam pessoas indiciadas fisicamente perante ao Tribunal. Uma das
obrigações incumbentes sobre os Estados Membros, conforme definido nos
Estatutos dos Tribunais, é o dever de obedecer a qualquer ordem expedida pelo
Tribunal relacionada à captura ou detenção de pessoas.
Alguns
Estados opuseram-se à maneira com que foram estabelecidos os Tribunais (ou
seja, por meio de uma resolução do Conselho de Segurança baseada no Capítulo
VII da Carta). Estas objeções dizem respeito à alegada falta de capacidade
jurídica da parte do Conselho de Segurança para efetuar tais atos, bem como à
indevida violação da soberania nacional mediante a constituição dos tribunais
por qualquer outro meio que não por meio de tratado. O último ponto enfatiza o
fato que, tecnicamente falando, os Estados Membros não têm escolha senão
aceitar e implementar a resolução do Conselho de Segurança. O Advogado de
Defesa da primeira pessoa (Dusko Tadic) a ser trazida perante o Tribunal da
Iugoslávia contestou os poderes legais do Conselho de Segurança para
estabelecer um tribunal criminal como uma expressão de uma medida tomada dentro
do sentido do artigo 39 da Carta, principalmente considerando-se que a medida
específica de estabelecimento de um tribunal não é mencionada nos artigos 40 a
42 do Capítulo VII da Carta. A Câmara de Apelação do Tribunal chegou à
conclusão que, embora não mencionado especificamente, oestabelecimento de
um tribunal criminal se encaixa dentro dos poderes do Conselho de Segurança de
acordo com o artigo 41 da Carta. Na opinião da Câmara de Apelação, o
argumento de que a criação de um Tribunal (empossado com poderes judiciais)
seria um ato além da capacidade do Conselho de Segurança, tendo em vista sua
falta de poderes judiciais, era insustentável pois resultava de um equívoco
fundamental de compreensão da estrutura constitucional da Carta. A criação do Tribunal
deve ser vista como uma medida com vistas à restauração da paz e segurança, e
não como um ato pelo qual o Conselho de Segurança delegou alguns de seus
poderes ou o exercício de algumas de suas funções.
Outra
questão importante a respeito dos tribunais criminais internacionais é a jurisdição da matéria.
Em relação ao Tribunal da Iugoslávia, a decisão foi de que este deveria aplicar
as normas do direito internacional humanitário, as quais são, sem dúvida
nenhuma, parte do direito consuetudinário, de forma que não ocorreu o problema
relativo à adesão de alguns, mas não todos, Estados a convenções específicas. A
questão da jurisdição da matéria foi outra questão duramente contestada no caso
Tadic, mencionado anteriormente, sendo decidido pela Câmara de Apelação do
Tribunal que, sob o Estatuto do Tribunal, tal jurisdição pode ser considerada
como existente para atos cometidos no território da antiga Iugoslávia.
Direitos
Humanos e Direito Internacional HumanitárioComentários GeraisOs
instrumentos dos direitos humanos e do direito internacional humanitário formam
parte integral do direito internacional - com ambos os tipos de legislação
destinadas a proteger direitos e liberdades fundamentais individuais bem como
coletivos. Sob o título de direito internacional dos direitos humanos, os
padrões são estabelecidos para a responsabilidade dos Estados com relação aos
direitos e liberdades de indivíduos e dos povos. O direito internacional
humanitário fornece os padrões a serem aplicados na proteção de vítimas de guerra
e conduta de hostilidades. Os dois tipos de legislação são complementares e
compatíveis de fato e na aplicação, não importando as normas existentes sobre
sua aplicabilidade jurídica. Já que dois capítulos tratam dos direitos humanos
e do direito internacional, esta seção se limitará a fornecer uma rápida
introdução aos dois e tentará indicar seu lugar dentro do arcabouço mais amplo
do direito internacional.
Posição
dentro do Direito InternacionalOs horrores da Segunda Guerra
Mundial, sem dúvida nenhuma, deixaram dolorosamente claro que as normas e
medidas existentes para a proteção dos indivíduos das conseqüências dos
conflitos armados eram totalmente inadequadas. Ao mesmo tempo, a soberania
nacional e a inviolabilidade do território nacional, tidas como garantidas,
demonstraram ser uma falácia pelas transgressões de ambas, cometidas em
particular pelos nazistas na Europa e mais tarde pelos japoneses na Ásia. Um
resultado imediato da Segunda Guerra foi a vontade, partilhada por todos os
Estados, de que se devesse evitar que estes acontecimentos ocorressem
novamente. Com a fundação das Nações Unidas e a criação da carta da ONU, a proteção da paz e segurança
internacional e a disseminação e encorajamento do respeito aos direitos humanos
e liberdades fundamentais tornaram-se,
dentre outros, os
principais objetivos das Nações Unidas (Carta
da ONU, artigo 10).
A Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) é
hoje o documento mais importante já adotado pela Assembléia Geral das Nações
Unidas. Apesar de não tomar a forma de um tratado, sua história o fez mais do
que um instrumento que simplesmente oferece normas orientadoras. A ausência,
por muitos anos, de outros textos de referência (foi só em 1976 que os dois
maiores Pactos entraram em vigor) deu condições para que a Declaração Universal
gozasse de uma autoridade incontestável. Pode-se com certeza afirmar agora que
algumas de suas disposições fazem parte do direito consuetudinário
internacional. Qualquer outro tratado de direitos humanos já elaborado faz referência
à Declaração Universal, formulando suas disposições baseadas nas originais da
Declaração. Muitas constituições nacionais incorporam dispositivos chaves da
Declaração Universal.
O direito internacional
humanitário é aquele ramo
do direito que cobre a proteção das vítimas de conflito armado e estabelece
normas internacionais para a conduta em hostilidades. As quatro convenções de
Genebra de 1949, com seus Protocolos Adicionais de 1977, proporcionam uma
extensa consolidação das normas codificadas para este fim. Um exame superficial
dos dois ramos - direitos humanos e direito internacional humanitário -
revelará muitas diferenças entre eles. O que ambos possuem em comum é, entre
outros, o problema de transformar os requisitos legais em ação adequada e apropriada.
Ao mesmo tempo, esse processo de transformação pode ser visto como uma marcação
da fronteira entre a responsabilidade internacional e a subseqüente ação
nacional necessária, dando margem, portanto, ao surgimento de todos os tipos de
discussões freqüentes sobre soberania.
Não é
possível afirmar que os direitos humanos e o direito internacional humanitário
formem uma área especializada em separado do direito internacional, que não
mantêm nenhuma relação com outros aspectos deste. Os dois tipos de direito e a
manutenção do respeito pelos princípios que defendem devem ser vistos como um
pré-requisito fundamental para a criação, existência e consolidação de relações
amistosas duradouras entre os Estados. Exemplos como a África do Sul, Somália,
Ruanda, Burundi, Angola, Iugoslávia, Nigéria, Iraque e muitos outros demonstram
repetidamente que quando a coexistência pacífica dos povos em nível nacional
não pode ser garantida (com todo o respeito devido para com os direitos e
liberdades fundamentais), coloca-se em dúvida simultaneamente a condição do
Estado a ser aceito perante a comunidade internacional. O respeito pelo estado
de direito, conforme estipulado pelos direitos humanos e princípios
humanitários, não é um ornamento do direito internacional, mas suas próprias
fundações.
Para
uma análise mais detalhada destes tópicos, vide os capítulos sobre direitos
humanos e direito internacional humanitário deste manual
Perguntas
para EstudoConhecimento1. O que é direito internacional?2. Quais
são as fontes do direito internacional?3. O que é direito internacional
consuetudinário?4. O que é um tratado?5. Que outras fontes de direito
internacional existem?6. Quem/o que possui personalidade jurídica perante o
direito internacional?7. Que princípios são utilizados pelos Estados para
decidir sobre questões de jurisdição penal?8. Para quais atos os Estados gozam
de imunidade perante os tribunais nacionais?9. Quais são as normas básicas da
imunidade diplomática?10. Qual é a definição de responsabilidade do Estado?11.
Quais são os requerimentos formais da condição de Estado?12. Quais
requerimentos adicionais existem atualmente para atingir-se a condição de
Estado?13. O que pode ser entendido pelo termo jus cogens?14. O que significa
assinar um tratado?15. Quando são permitidas ressalvas a um tratado?16. Qual é
a diferença entre arbitragem e acordo judicial?17. Qual é a competência da
CIJ?18. Quem pode requerer um parecer consultivo à CIJ?19. Qual é a base jurídica
para a criação do Tribunal da Iugoslávia?20. Que tipo de controvérsias podem
ser submetidas à CIJ?
Compreensão1. Qual
é a posição dos direitos humanos em relação ao direito internacional?2. O que
são direitos e liberdades fundamentais?3. Como sua resposta se relaciona a sua
opinião sobre jus cogens?4.
Qual é sua opinião sobre a teoria relativa da imunidade do Estado?5. Qual é o
propósito da concessão de imunidade a agentes diplomáticos em um Estado
anfitrião?6. Qual é sua opinião sobre o asilo diplomático?7. Qual é sua
definição de Estado?8. O que se quer dizer com a comunidade internacional?9.
Como a responsabilidade do Estado se relaciona à soberania nacional?10. Qual é
sua opinião sobre as ressalvas feitas aos tratados de direitos humanos?11. O
que é mais importante: o nível da ratificação ou o objeto e finalidade do
tratado?12. Por que você acha que a Corte Permanente de Arbitragem tem tão
pouco trabalho a fazer?13. O que você pensa do significado da CIJ para o
desenvolvimento do direito internacional?14. Qual é sua opinião sobre o
embasamento jurídico do Tribunal da Iugoslávia?15. Por que o advogado de defesa
atacaria a jurisdição da matéria do Tribunal?16. Por que a tarefa de tais
Tribunais não é atribuída à CIJ?17. Por que a legislação dos direitos humanos e
o direito internacional humanitário são dois lados de uma mesma moeda?18. Você
concorda com a importância fundamental de ambos para as relações
internacionais?19. Como você vê o desenvolvimento futuro das relações entre os
Estados?
Referências
Selecionadas: Apêndice III
Capítulo
2:
Direito
Internacional dos Direitos Humanos
Introdução
ao Manual
Como
são Denominados os Atos Internacionais?
É
variada a denominação dada aos atos internacionais, tema que sofreu
considerável evolução através dos tempos. Embora a denominação escolhida não
influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se
estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo
do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo,
convenção, protocolo e memorando de entendimento. Nesse sentido, pode-se dizer
que, qualquer que seja a sua denominação, o ato internacional deve ser formal,
com teor definido, por escrito, regido pelo Direito Internacional e que as
partes contratantes são necessariamente pessoas jurídicas de Direito
Internacional Público.
TRATADO
A
expressão Tratado foi escolhida pela Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados de 1969, como termo para designar, genericamente, um acordo internacional.
Denomina-se tratado o ato bilateral ou multilateral ao qual se deseja atribuir
especial relevância política. Nessa categoria se destacam, por exemplo, os
tratados de paz e amizade, o Tratado da Bacia do Prata, o Tratado de Cooperação
Amazônica, o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, o Tratado de Proibição
Completa dos Testes Nucleares.
CONVENÇÃO
Num
nível similar de formalidade, costuma ser empregado o termo Convenção para
designar atos multilaterais, oriundos de conferências internacionais e versem
assunto de interesse geral, como por exemplo, as convenções de Viena sobre
relações diplomáticas, relações consulares e direito dos tratados; as
convenções sobre aviação civil, sobre segurança no mar, sobre questões
trabalhistas. É um tipo de instrumento internacional destinado em geral a
estabelecer normas para o comportamento dos Estados em uma gama cada vez mais
ampla de setores. No entanto, existem algumas, poucas é verdade, Convenções
bilaterais, como a Convenção destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a
evasão fiscal celebrada com a Argentina (1980) e a Convenção sobre Assistência
Judiciária Gratuita celebrada com a Bélgica (1955).
ACORDO
O
Brasil tem feito amplo uso desse termo em suas negociações bilaterais de
natureza política, econômica, comercial, cultural, científica e técnica. Acordo
é expressão de uso livre e de alta incidência na prática internacional, embora
alguns juristas entendam por acordo os atos internacionais com reduzido número
de participantes e importância relativa. No entanto, um dos mais notórios e
importantes tratados multilaterais foi assim denominado: Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (GATT).
O
acordo toma o nome de Ajuste ou Acordo Complementar quando o ato dá execução a
outro, anterior, devidamente concluído. Em geral, são colocados ao abrigo de um
acordo-quadro ou acordo-básico, dedicados a grandes áreas de cooperação
(comércio e finanças, cooperação técnica, científica e tecnológica, cooperação
cultural e educacional). Esses acordos criam o arcabouço institucional que
orientará a execução da cooperação.
Emprega-se
o termo acordo por troca de notas diplomáticas normalmente para assuntos de
natureza administrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos
já concluídos. Ele se dá quando é possível determinar que as partes entraram em
acordo destinado a produzir efeitos jurídicos, criando vínculo convencional.
Estes instrumentos em notas diplomáticas tradicionais podem ser notas idênticas
de mesmo teor e data ou uma nota de proposta e outra de aceitação,
preferivelmente com a mesma data.
Acordos
podem ser firmados, ainda, entre um país e uma organização internacional, a
exemplo dos acordos operacionais para a execução de programas de cooperação e
os acordos de sede.
AJUSTE
OU ACORDO COMPLEMENTAR
É o ato
que dá execução a outro, anterior, devidamente concluído e em vigor, ou que
detalha áreas de entendimento específicas, abrangidas por aquele ato. Por este
motivo, são usualmente colocados ao abrigo de um acordo-quadro ou
acordo-básico.
PROTOCOLO
Protocolo
é um termo que tem sido usado nas mais diversas acepções, tanto para acordos
bilaterais quanto para multilaterais. Aparece designando acordos menos formais
que os tratados, ou acordos complementares ou interpretativos de tratados ou
convenções anteriores. É utilizado ainda para designar a ata final de uma
conferência internacional. Tem sido usado, na prática diplomática brasileira,
muitas vezes sob a forma de "protocolo de intenções", para sinalizar
um início de compromisso.
MEMORANDO
DE ENTENDIMENTO
Tem
sido utilizado para atos de forma bastante simplificada, destinados a registrar
princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes, seja nos planos
político, econômico, cultural ou em outros. O memorando de entendimento é
semelhante ao acordo, com exceção do articulado, que deve ser substituído por
parágrafos numerados com algarismos arábicos. Seu fecho é simplificado e
normalmente entra em vigor na data da assinatura.
CONVÊNIO
O termo
convênio, embora de uso freqüente e tradicional, padece do inconveniente do uso
que dele faz o direito interno. Seu uso está relacionado a matérias sobre
cooperação multilateral de natureza econômica, comercial, cultural, jurídica,
científica e técnica, como o Convênio Internacional do Café; o Convênio de
Integração Cinematográfica Ibero-Americana; o Convênio Interamericano sobre
Permissão Internacional de Radioamador. Também se denominam
"convênios" acertos bilaterais, como o Convênio de Cooperação
Educativa, celebrado com a Argentina (1997); o Convênio para a Preservação,
Conservação e Fiscalização de Recursos Naturais nas Áreas de Fronteira,
celebrado com a Bolívia (1980); o Convênio Complementar de Cooperação Econômica
no Campo do Carvão, celebrado com a França (1981).
ACORDO
POR TROCA DE NOTAS
Emprega-se
a troca de notas diplomáticas para assuntos de natureza administrativa, bem
como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos. Essas notas
podem ser: a) idênticas, com o mesmo teor e data; b) uma primeira nota, de
proposta, e outra, de resposta e aceitação, que pode ter a mesma data ou data
posterior.
Como
são tramitados os Atos Internacionais?
1 -
PROJETO
Como
regra geral, pode-se afirmar que o órgão competente do Poder Executivo para
entabular negociações diplomáticas que tenham em vista a celebração de atos
internacionais é o Ministério das Relações Exteriores (Decreto nº2.246, de
06/06/1997, Anexo I, artigo 1º, III). O incremento de acordos, de natureza
eminentemente técnica, tem proporcionado a participação de outros órgãos
governamentais no processo negociador internacional. Terminada a negociação de
um ato bilateral, o projeto, por vezes rubricado pelos negociadores, vai à
apreciação das autoridades dos respectivos países. A minuta rubricada indica
tão somente concordância preliminar.
A
negociação de tratado multilateral no âmbito de uma organização internacional é
realizada conforme os procedimentos da organização, que prepara o texto
original do ato a ser assinado. A Delegação brasileira deve observar as
instruções do Governo brasileiro, transmitidas geralmente pelo Ministério das
Relações Exteriores, e cabe à Divisão de Atos Internacionais preparar o
credenciamento da Delegação e a Carta de Plenos Poderes.
2 –
ASSINATURA
A
assinatura é uma fase necessária da processualística dos atos internacionais,
pois é com ela que se encerram as negociações e se expressa o consentimento de
cada parte contratante.
A
Constituição Federal estipula que é competente para celebrar atos
internacionais em nome do Governo brasileiro o Presidente da República (Art.
84, VIII) (competência originária). Ao Ministro de Estado das Relações
Exteriores cabe "auxiliar o Presidente da República na formulação da
política exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter relações com
Estados estrangeiros, organismos e organizações internacionais" (conforme
estabelece o Decreto nº 2.246, de 6 de junho de 1997, que aprova a estrutura
regimental do MRE) (competência derivada).
Qualquer
autoridade pode assinar um ato internacional, desde que possua Carta de Plenos
Poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro das
Relações Exteriores. Segundo o artigo 7º da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados, a adoção ou autenticação de texto de tratado, bem como a
expressão de consentimento em obrigar-se pelo mesmo, deve ser efetuada por
pessoa detentora de plenos poderes. Exclui-se de tal regra para os tratados em
geral, os Chefes de Estado, Chefes de Governo (por competência constitucional)
e os Ministros das Relações Exteriores (por competência legal). Portanto, a
capacidade de outros Ministros ou qualquer outra autoridade assinarem atos
internacionais deriva de plenos poderes específicos para cada caso dada pelo
Presidente da República.
A única
exceção à regra geral da obrigatória apresentação dos plenos poderes é a que se
refere aos atos bilaterais ou multilaterais firmados pelos Embaixadores
acreditados, por o serem como "extraordinário e plenipotenciário".
Carta
de credenciamento é o documento que designa delegação para participar em
encontros e conferências internacionais, geralmente autorizando o chefe da
delegação a assinar a ata final. O documento em questão, é assinado pelo
Ministro das Relações Exteriores. Exige-se a Carta de Plenos Poderes para a
assinatura de Convenções durante conferência internacional.
3 –
SUBMISSÃO AO CONGRESSO NACIONAL
Em
regra, todos os atos bilaterais ou multilaterais estão sujeitos, por
determinação constitucional, à aprovação pelo Congresso Nacional. Prepara-se
uma Exposição de Motivos, na qual o Ministro das Relações Exteriores explica as
razões que levaram à assinatura daquele instrumento e solicita que o Presidente
da República, por uma Mensagem, o submeta ao Congresso Nacional. Caso não haja
texto original em português, no caso de atos multilaterais, a tradução do texto
é obrigatória.
Aprovada
a exposição de motivos e assinada a mensagem ao Congresso pelo Presidente da
República, o ato internacional é encaminhado para exame e aprovação,
sucessivamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Antes de ser levado
aos respectivos Plenários, o instrumento é avaliado, em ambas as Casas, pelas
Comissões de Constituição e Justiça e de Relações Exteriores e por outras
Comissões interessadas na matéria.
A
aprovação congressual é materializada por Decreto Legislativo, assinado pelo
Presidente do Senado, publicado no Diário Oficial da União.
4 –
PROMULGAÇÃO
A
validade e executoriedade do ato internacional no ordenamento interno
brasileiro dá-se através de sua promulgação. Publicado o Decreto Legislativo
que aprovou o ato internacional, cabe ao Executivo promulgá-lo, por decreto
assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações
Exteriores. Esse decreto é acompanhado de cópia do texto e publicado no Diário
Oficial da União. O ato internacional que dispensou a aprovação congressual, é
objeto apenas de publicação.
5 –
REGISTRO NAS NAÇÕES UNIDAS
Nos
termos do artigo 102 da Carta das Nações Unidas, os atos internacionais
bilaterais celebrados pelo Brasil, após entrarem em vigor, são encaminhados pela
Divisão de Atos Internacionais à Missão do Brasil junto às Nações Unidas em
Nova York para serem registrados junto ao Secretariado das Nações Unidas.
Quanto
aos atos multilaterais, conforme já indicado, cabe ao depositário a
responsabilidade do registro nas Nações Unidas.
Cláusulas
Finais ou Processualísticas
Entende-se
por cláusulas finais ou processualísticas as que dizem respeito à forma de
entrada em vigor, duração, emendas e término dos atos internacionais. Essas
cláusulas incluem ainda referências ao depositário e à possibilidade de se
efetuarem reservas. Tais dispositivos devem ser precisos, claros e completos,
para não entravar a implementação do ato internacional.
1 -
ENTRADA EM VIGOR
O ato
internacional pode entrar em vigor:
a. Na
data da assinatura: ocorre nos acordos em forma simplificada, em que a
substância do ato, por não exigir trâmites internos de aprovação ou
ratificação, torna possível a entrada em vigor imediata.
b. Em
data pré-fixada: quando acordo em forma simplificada - que dispensa aprovação
congressual e ratificação - estipula a data de entrada em vigor; ou no caso de
ajuste complementar celebrado antes da entrada em vigor do acordo-quadro, que
entra em vigor concomitantemente com esse acordo-quadro.
c. Por
troca de notificações: cada Parte contratante notifica a outra do cumprimento
dos requisitos exigidos pelo seu ordenamento legal para a aprovação do ato, o
qual entra em vigor na data da segunda notificação. É o procedimento mais
usual.
d. Por
troca de instrumentos de ratificação: desejando-se conferir solenidade à
entrada em vigor de um tratado, pode-se estabelecer a entrada em vigor por
troca de instrumentos de ratificação. A ratificação é o ato pelo qual, após a
aprovação legislativa, o Chefe de Estado reitera a confirmação do acordo
internacional celebrado em seu nome pelos plenipotenciários que nomeou e
promete fazê-lo cumprir. Os atos multilaterais normalmente estabelecem a
necessidade de que os Estados partes os ratifiquem.
e. Por
depósito de instrumentos de adesão ou aceitação: caso o Brasil não seja
signatário do tratado multilateral, o procedimento para tornar-se parte, são
semelhantes ao do processo de ratificação. A adesão ou a aceitação tem a mesma
natureza jurídica da ratificação.
f. Por
cumprimento de condição pré-estabelecida: ocorre geralmente, em atos
multilaterais, nos quais se estabelece a entrada em vigor após certo número de
ratificações.
2 -
DURAÇÃO
A
vigência pode ser:
a.
Ilimitada: exige um ato de denúncia;
b. Por
prazo fixo: extingue-se por decurso de prazo, fixado entre as partes ou pelo
cumprimento do especificado no ato (exemplo, acordo para a construção de uma
ponte internacional o para uma reunião internacional);
c. por
prazo determinado, com prorrogação automática por iguais períodos. Nesse caso,
possibilita-se a denúncia às partes que não desejem a sua renovação.
Pode-se
dizer, portanto, que os prazos de vigência dos atos internacionais variam de
caso a caso.
3 -
EMENDAS
É
recomendável que o ato estabeleça, entre as cláusulas processualísticas,
dispositivo prevendo alterações através de emendas. É importante notar que, à
semelhança do que sucede com o ato original, deve ser igualmente estabelecido o
mecanismo de entrada em vigor da emenda, que deve obedecer aos mesmos
requisitos legais do ato original. É preferível usar a entrada em vigor da
emenda por troca de notificações, o que permite atender a quaisquer requisitos
de aprovação interna.
4 –
TÉRMINO
O ato
internacional termina, entre outras razões, por expiração do prazo, por
denúncia ou por substituição. Esta última se dá com a aprovação e entrada em
vigor de outro ato sobre o mesmo assunto que substitui o anterior. Normalmente
ela é expressa no texto do novo ato.
A
denúncia é efetuada, normalmente, por nota diplomática passada pela Parte
denunciante. É conveniente a fixação de prazo para a efetivação da mesma - em
geral de três a seis meses, podendo chegar no máximo a um ano -, bem como de
previsão de que os projetos em curso não serão afetados.
5 –
DEPOSITÁRIO
A
generalização dos tratados multilaterais propiciou o advento da figura do
depositário: um dos Estados contratantes ou um organismo internacional. Cabe ao
depositário a manutenção, em seus arquivos, do instrumento original, bem como a
distribuição de cópias autênticas do texto do ato e o registro de seus aspectos
processualísticos. O Brasil é o depositário de diversos tratados relevantes,
como o Tratado da Bacia do Prata e o Tratado de Cooperação Amazônica.
6 -
RESERVAS
A
admissão de reservas ao texto de um ato internacional permite uma maior
participação dos Estados, posto que possibilita que um Estado Parte deixe de
consentir em relação a uma ou a algumas de suas disposições. Deve, entretanto,
a reserva ser compatível com a finalidade e o objeto do ato. Alguns atos
Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAS7IAD/resumo-direito-internacional-conceitos-basicos-direito-internacional