Perfil
LUIZ CARLOS LEANDRO BESERRA
Formação acadêmica Universidade Guarulhos (Especialista, Metodologia do Ensino Superior 1998 – 1998) e Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas (Bacharel em direito 1982 – 1986). Experiência ( Renomado) advogado , Professor Universitário e consultor jurídico 1987 – Presente (26 anos)
LUIZ CARLOS LEANDRO BESERRA
Formação acadêmica Universidade Guarulhos (Especialista, Metodologia do Ensino Superior 1998 – 1998) e Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas (Bacharel em direito 1982 – 1986). Experiência ( Renomado) advogado , Professor Universitário e consultor jurídico 1987 – Presente (26 anos)
Atualmente leciona a disciplina Direito Comercial para a turma do 7º semestre
( EXPLORADORES DO DIREITO ) na Universidade de Guarulhos - UNG
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BIBLIOGRAFIA:
BÁSICA:
ALMEIDA, Amador Paes. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 24ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de Direito Comercial - vol. 2. 17ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. São Paulo: RT. 2013.
COMPLEMENTAR:
STRENGER, Irineu. Marcas e Patentes, 2 ed. LTr, 2004.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro – vol. 4. São Paulo: Atlas, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial - direito de empresa. Editora: Saraiva. 2013.
RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
RIZZARDO, Arnaldo. Leasing. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
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MATERIAL DISPONIBILIZADO PELO PROFº LEANDRO.
DIREITO COMERCIAL III - 7º SEMESTRE
A função
social da propriedade industrial
Publicado em 02/2014. Elaborado em 09/2013.
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ASSUNTOS:
Há
de se impor limites ao titular do
direito de exploração da propriedade industrial, para que esse mecanismo
de restrição ao livre direito de concorrência não se transforme em proteção
estatal ao abuso do direito de exploração exclusiva da propriedade.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO 2. A PROTEÇÃO AO DIREITO DE
PROPRIEDADE COMO GARANTIA FUNDAMENTAL 3. A TENTATIVA DE DEFINIR PROPRIEDADE 4. A FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE 4.1. A Constitucionalização do Princípio 4.2. A Função Social como
Conceito Jurídico Indeterminado 4.3. A Teoria da Propriedade Como Função Social
4.4. A Propriedade Industrial dos Bens de Produção Dotados de Função Social
4.5. As diferentes funções sociais expressas na Constituição Federal 6.
CONCLUSÕES.
1. INTRODUÇÃO
Ao contrário dos animais,
que dispõem apenas do que lhes é essencial para a sua própria sobrevivência, os
homens têm a necessidade de se apropriar individualmente de outros bens
considerados supérfluos, quer por motivos econômicos, seja por motivos de ordem
política ou financeira. Defendido pelos jusnaturalistas como um direito
inerente à própria condição humana, o direito de propriedade tem sofrido
modificações decorrentes da evolução da sociedade e das regras jurídicas que
condicionam seu comportamento.
Na sociedade contemporânea,
onde o modelo de produção capitalista favorece, e até mesmo incentiva, essa
acumulação de bens, a exata compreensão do direito de propriedade e de suas
limitações revela a definição do tênue liame que separa o exercício dos
direitos inerentes ao proprietário sobre o bem apropriado e a obrigatoriedade
de que esse mesmo bem não tenha uma destinação egoística, em descompasso com o
interesse coletivo.
Como uma das muitas
espécies da propriedade, a Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB) consagrou a propriedade industrial como um direito fundamental do
indivíduo, conferindo-lhe inegável importância no direito brasileiro.
Entretanto, na mesma redação do art. 5º, inciso XXIX da CRFB percebe-se
claramente que essa proteção diferenciada conferida aos inventos industriais e
aos nomes e sinais distintivos do empresário, tem como objetivo o interesse
social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
No mesmo texto
constitucional, desta feita no capítulo que trata dos princípios gerais da
atividade econômica, há clara reiteração à consagração do direito à propriedade
privada, o que dá à propriedade industrial, uma das espécies daquela, a dúplice
importância de direito fundamental e de princípio geral da atividade econômica.
Ao erigir esse direito ao
status de norma constitucional, o constituinte brasileiro seguiu a mesma
ideologia adotada por quase todos os países capitalistas em suas constituições,
partindo da premissa de que a proteção aos bens da propriedade industrial se
afigura em importante mecanismo de fomento ao progresso econômico e social do
País, uma vez que somente se alcança o investimento necessário à pesquisa e ao
desenvolvimento de novas tecnologias mediante o estímulo representado pela
concessão de privilégios temporários de utilização exclusiva do bem havido de
seus esforços intelectivos, indispensáveis à sua exploração econômica sem
concorrência, de forma a recompensar financeiramente tais esforços.
Em que pese não existir
grandes controvérsias quanto aos benefícios experimentados pela sociedade com
os avanços da ciência, já que estes progressos são responsáveis pela melhoria
da qualidade de vida dos indivíduos, os privilégios da exploração exclusiva
destes bens da propriedade industrial, mesmo que temporários, muitas vezes
favorecem o abuso do poder econômico por grandes grupos empresariais.
Visando coibir os abusos
praticados na exploração desses privilégios temporários, a norma constitucional
exige-lhes certa função social, igualmente consagrada na CRFB como princípio
geral da atividade econômica.
A compreensão desse
delicado equilíbrio entre o direito ao privilégio temporário de exploração
exclusiva do bem da propriedade industrial e a destinação social que lhe foi
destinada constitucionalmente é o objetivo pretendido neste trabalho.
Num primeiro momento,
tratar-se-á da propriedade como instituto jurídico, desde a sua concepção
clássica até a sua abordagem atual conforme a Constituição, donde se percebe
não constituir-se mais apenas num plexo de direitos, mas, também, em um
conjunto de deveres que procura direcionar-lhe a uma finalidade coletiva.
TEXTOS
RELACIONADOS
Após, se buscará alcançar o
sentido mais exato de função social da propriedade industrial, tendo em vista
que a criação deste limitador constitucional ao direito de propriedade como um
conceito jurídico indeterminado deu ao intérprete da norma a discricionariedade
de completar-lhe o sentido e o conteúdo.
2. A PROTEÇÃO AO DIREITO DE
PROPRIEDADE COMO GARANTIA FUNDAMENTAL
A constatação de que o
constituinte originário deu à proteção aos direitos industriais o status de
direito fundamental causa certa espécie em razão de sua atipicidade como regra
integrante do núcleo de proteção da dignidade da pessoa humana.
Os direitos fundamentais do
homem, expressão utilizada por José Afonso da Silva para definir com maior
exatidão os princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia
política de cada ordenamento jurídico[1],
devem referir-se às situações jurídicas indispensáveis à realização, à
convivência ou à sobrevivência da pessoa humana. Assim, o ponto característico
que serviria para definir um direito fundamental seria a intenção de explicitar
o princípio da dignidade da pessoa humana[2].
Contra esse raciocínio de
que os direitos fundamentais seriam somente aqueles através dos quais se
consagraria o princípio da dignidade da pessoa humana, é importante conhecer a
crítica de Canotilho, segundo a qual esse raciocínio retira do catálogo material
dos direitos todos aqueles que não pressuponham a ideia princípio da dignidade
da pessoa humana[3].
Parece-nos, entretanto, que
a observação crítica do renomado constitucionalista português reflete com
exatidão o verdadeiro sentido que se busca dar ao núcleo fundamental das regras
que consagram a dignidade do homem. Segundo observação criteriosa de Pietro de
Sanchis, “historicamente, os direitos humanos têm a ver com a vida, a dignidade,
a liberdade, a igualdade e a participação política e, por conseguinte, somente
estaremos em presença de um direito fundamental quando se possa razoavelmente
sustentar que o direito ou instituição serve a algum desses valores.”[4]
Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, mesmo sem se aprofundar nessa discussão, chega a afirmar que “os
direitos fundamentais referentes à propriedade estão num plano intermediário
entre os que concernem à liberdade e os que dizem respeito à segurança, já que
ela ao mesmo tempo toca a uma e outra” [5].
Segundo o constitucionalista, os direitos à propriedade são instrumentos da
liberdade e garantia de segurança, tendo em vista que possibilita ao indivíduo
realizar o que quer, além de resguardá-lo contra a necessidade e a incerteza do
amanhã.[6]
Não obstante a
classificação dada à proteção dos direitos à propriedade industrial, o mesmo
doutrinador reconhece a sua importância para a estrutura econômica sobre a qual
se ergue a nossa Constituição, afirmando, finalmente, ser um “indiscutível
exagero, porém, incluí-los no rol dos direitos fundamentais.”[7]
É possível afirmar que uma
das prováveis causas para que a proteção à propriedade industrial tenha sido
tratada na CRFB como direito fundamental do indivíduo tenha sido a influência
da ideia absolutista de propriedade consagrada ao longo do tempo, inspirada na
visão jusnaturalista que entende ser a propriedade um direito divino,
historicamente anterior ao homem, inerente à sua própria condição humana.
Segundo essa concepção
individualista da propriedade, que realça a natureza egoística do homem e a sua
tendência materialista, um dos meios de afirmação de seu poder e de seu
prestígio na vida em sociedade era a acumulação de bens, o que lhe permitia
alcançar riqueza pela detenção de maiores e mais numerosos meios de produção.
Nasciam, ali, as raízes históricas e os fundamentos do abuso de poder
econômico.
Sobre a evolução da
compreensão de propriedade e sua inter-relação com o conceito de riqueza e com
as estruturas de prestígio e de poder ao longo do tempo, é importante conhecer
a digressão histórica feita por Gladston Mamede:
Mais do que isso, essa relação entre a terra e a riqueza
reflete-se na própria estrutura política da sociedade ao longo do tempo,
intimamente ligada à propriedade ou posse da terra; são exemplos o clero
(χ??ρ?σ, ou seja, kleros) grego, lotes de terras entregues aos cidadãos, como
em Esparta, onde a sua exploração por escravos e servos garante a sobrevivência
do espartíata, ou seja, do cidadão guerreiro, ocupado com seu treinamento. A
mesma estrutura que antes se verificara entre os babilônios e, depois, entre os
hititas e assírios. Em Roma, temos o ager; na Idade Média, o feudo. No Brasil,
temos as sesmarias e, depois, os engenhos e as fazendas, definindo o domínio
econômico e político, identificado com a cana-de-açúcar, o café, a borracha, o
gado etc. Somem-se, querendo, as minas.[8]
Não se pode negar, também,
que a visão absolutista da propriedade, e que lhe elevou à categoria de direito
fundamental do indivíduo, sofreu influência marcante do Código Civil francês,
fruto da positivação dos valores burgueses que inauguraram o capitalismo e o
liberalismo econômico, tratando a propriedade como um direito absoluto e
perpétuo de usar, de gozar e de dispor da coisa.
A propriedade, segundo a
ideologia dos Estados liberais, era vista como uma forma de proteger o
indivíduo e sua família contra as necessidades materiais, o que inegavelmente
lhe emprestava a importante função de meio de subsistência e de promoção da
dignidade da pessoa humana. No entanto, contemporaneamente, a propriedade
deixou de ser o único, ou o mais eficiente, meio de garantir a subsistência do
indivíduo e de sua família, tendo surgido, em seu lugar, outros valores e
outras garantias que tornam a garantia de subsistência mais efetiva, a exemplo
da garantia de um emprego e de um salário justo, além das prestações sociais
devidas ou garantidas pelo Estado, como a educação, a formação profissional, a
saúde, a habitação e o lazer.[9]
Percebe-se, então, que as
razões que levaram o legislador a adjetivar a proteção à propriedade industrial
como direito fundamental do indivíduo não mais subsistem, ou melhor, sequer
subsistiam à época da elaboração do texto constitucional vigente, uma vez que
já naquela fase histórica, as mudanças experimentadas pela sociedade brasileira
já indicavam a superação do conceito de propriedade como paradigma de garantia
do sustento próprio e familiar do indivíduo.
Na Itália, desde 1º de
janeiro de 1948, quando passou a vigorar a atual Constituição, as disposições
relativas à propriedade foram deslocadas do núcleo dos direitos fundamentais.
Abandonou-se, naquele País, a concepção jusnaturalista do direito de
propriedade como expressão do direito de personalidade, passando a ser tratado,
então, como fato econômico[10].
Não obstante a observação
crítica de que não faz muito sentido dar à proteção à propriedade industrial o
tratamento de direito fundamental, o fato é que, na forma como foi positivada
na CRFB, a garantia de proteção à propriedade industrial se deu como norma
constitucional de eficácia limitada, uma vez que depende de legislação
infraconstitucional ulterior. Hoje, a norma que garante esse direito
fundamental é a Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e
obrigações relativos à propriedade industrial.
3. A TENTATIVA DE DEFINIR
PROPRIEDADE
Não há uma previsão legal
que defina precisamente o instituto jurídico da propriedade, sendo esta
comumente explicada por uma intuição decorrente da compreensão de seus
principais atributos: o direito de usar, de gozar e de dispor da coisa.
Entretanto, a propriedade não pode ser explicada simplesmente segundo as
faculdades inerentes ao titular desse direito real.
Por se tratar de matéria
típica do Direito Civil, portanto anterior à própria ideia de constituição,
convencionou-se, de forma equivocada, a interpretar a Constituição Federal
segundo o Código Civil, o que se afigura numa clara e absurda inversão da
hierarquia das normas consagrada na “teoria dos degraus” de Hans Kelsen. Por
mais que pareça óbvio, é importante ressaltar que a única forma interpretativa
correta do direito de propriedade é “segundo a Constituição”, o que revela a
indeterminação do conceito de propriedade no direito brasileiro.
Diante do silêncio da norma
em conceituar objetivamente o termo “propriedade”, essa tarefa foi incumbida à
doutrina que, de uma forma simples entende que se trata do conjunto de todas as
coisas e direitos que constituem o patrimônio de alguém. Em apertada síntese, a
propriedade tanto pode significar a relação jurídica entre a pessoa e a coisa
certa e determinada submetida ao seu poder de forma exclusiva e direta, quanto
a própria coisa que é objeto desse direito real por excelência.
Adverte Eros Roberto Grau
que a propriedade “não constitui um instituto jurídico, porém um conjunto de
institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens.”[11] Assim, não se de deve falar em
propriedade como espécie, mas como gênero do qual derivam várias espécies, a
exemplo da propriedade de valores mobiliários, da propriedade literária e
artística, da propriedade industrial e da propriedade do solo.
Neste contexto, também se
afigura necessária para a compreensão e aprofundamento do tema em discussão a
distinção entre propriedade de bens de consumo e propriedade de bens de
produção. É que as legislações econômicas de estados modernos consideram a
disciplina do direito de propriedade como elemento que se insere no processo
produtivo, onde concorrem junto aos interesses do proprietário vários outros.
Quanto aos bens de consumo, o ciclo da propriedade se esgota na sua própria
fruição, enquanto no que tange aos bens de produção, em face de sua
característica dinâmica[12],
exatamente porque há a convergência de interesses diversos e muitas vezes
antagônicos, é que se pode falar em realização da função social da propriedade.
Não somente isso; as
diversas propriedades também devem ser distinguidas entre aquelas dotadas de
função individual e aquelas dotadas de função social.[13] A primeira encontra sua justificação na
segurança, na garantia que tem todo indivíduo de prover a subsistência e a de
sua família; por sua vez, a propriedade dotada de função social tem sua
justificação pela sua finalidade, pelos seus serviços.
Observa-se, nesta
abordagem, que a caracterização da função social da propriedade dos bens de
produção, materiais ou imateriais, não pode ser dissociada da compreensão de
aspectos circunstanciais de natureza e de ordem econômica.
Existem diversas teorias
que buscam definir e justificar a propriedade, sendo as mais comuns aquelas que
se prendem a argumentos filosóficos ou políticos. No entanto, uma das
tentativas mais eficientes de definição do direito de propriedade, bastante
utilizada na doutrina jurídica estadunidense, segundo Wolfgan Kasper[14],
justifica a existência desse direito no argumento econômico da “escassez de
recursos” e na forma mais eficiente de alocação desses recursos: é a Tragedy of
Commons, teoria apresentada pela primeira vez em 1968 na revista Science como
um problema de natureza ambiental.
Para melhor compreensão do
problema, é preciso entender que a expressão commons, utilizada na concepção da
teoria, faz referência às pastagens de uso comum que existiam na Inglaterra.
A Tragedy of Commons, ou
“Tragédia dos Baldios”, explica que para cabeça de gado excedente que pastar
num terreno baldio, os benefícios desta sobre-pastagem vão, na sua totalidade,
para o dono do animal (internalização dos benefícios), sendo que os custos
deste esforço adicional imposto à pastagem são partilhados por todos os outros
criadores que também se utilizam daquele terreno baldio (exteriorização dos
custos), uma vez que o alimento do pasto consumido em excesso não poderá
alimentar os animais dos outros donos de animais.
Seguindo a dinâmica natural
destes fatos, caso não houvesse qualquer gestão deste bem comum, o resultado
natural seria a destruição do terreno baldio pela utilização excessiva do pasto
comum, já que o adensamento de animais acima da capacidade de produção de
alimentos daquela pastagem não permitiria a sua recomposição, levando-o ao seu
perecimento.
Esse problema posto em
teoria demonstra a necessidade de que seja delimitado o uso dos recursos comuns
a todos como uma forma de garantir uma maior eficiência de distribuição,
cultivo e produção. Por esta razão, seriam os direitos de propriedade
necessários, já que teriam surgido exatamente para delimitar o uso desses
recursos. No exemplo em discussão, havendo a delimitação de áreas entre os
criadores de gado, haverá uma internalização dos benefícios individuais sem que
haja a oneração dos terrenos destinados aos outros criadores.
Neste contexto, importante
é ressaltar o papel desempenhado pelo Estado na regulação desse direito. Caso
não existissem critérios objetivos de aquisição da propriedade, neste mesmo exemplo
que se estuda, o critério de divisão dos terrenos baldios geralmente não seria
justo, uma vez que beneficiaria o primeiro a tomar posse dessas terras, aquele
que conseguisse impor sua propriedade à força, ou até mesmo aquele que
argumentasse relações familiares com aquele imóvel.
Com a delimitação da
propriedade e o respeito mínimo a esse direito, cada criador (neste exemplo
definido como agente econômico) utilizar-se-ia da parte do terreno que lhe
coube segundo suas habilidades, sendo que os mais eficientes acumulariam
maiores recursos que poderiam ser utilizados na aquisição de mais recursos
(mais terrenos) daqueles outros que não souberam explorar com eficiência sua
propriedade.
Essa dinâmica seletiva
resulta na circunstância de que os mais eficientes irão concentrar cada vez
mais propriedades, tornando-se cada vez mais eficientes em virtude da
acumulação de maiores meios de produção. Essa é a dinâmica de mercado numa
sociedade capitalista como a brasileira.
Mas nem sempre esse
critério de eficiência alocativa de recursos é suficiente para justificar de
forma convincente o direito à propriedade. A Tragedy of Anti-Commons, ou,
“Tragédia dos Anti-Baldios”, problema proposto por Michael Heller[15] em 1997, é o oposto desta situação,
mostrando-nos que esse conceito de propriedade não pode ser absolutizado.
Neste outro exemplo
econômico, diversos agentes econômicos que têm direitos de propriedade sobre um
determinado bem o subutilizam, não explorando todos os recursos que são
disponíveis. Neste caso, vê-se que o titular do direito de propriedade de uma
pequena área não conseguiria alcançar uma maior eficiência em razão da
concentração da maior parte da área nas mãos de outros agentes econômicos menos
eficientes, o que implica num prejuízo coletivo pela perda de eficiência nos
meios de produção. Essa ineficiência é causa determinante do decréscimo da
riqueza, tendo sido ocasionada pela absolutização da propriedade.
Segundo essa teoria que
deita raízes em argumentos de ordem econômica, o direito de propriedade é um
mecanismo lógico de alocação de riquezas que tende a equilibrar os recursos
entre duas tragédias (Tragedy of Commons e Tragedy of Anti-Commons), sendo o
papel destinado ao direito o de estabelecer um conjunto de limitações de
utilização de modo a permitir que, mediante a mais eficiente alocação de
recursos, possa haver o progresso da humanidade por meio de uma organização
social mais eficiente e produtiva.
Sob esse prisma econômico,
a expressão “função social da propriedade” seria uma redundância, pois não há
uma função social da propriedade, já que está já é, em si, uma função social,
uma forma de alocação de recursos e de riquezas de forma a maximizar a
eficiência de geração de riquezas e desenvolvimento humano.
4. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
4.1. A
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO
A
constitucionalização da função social da
propriedade teve origem nas Constituições do México de 1917 e da Alemanha de
1919 (Constituição de Weimar). Segundo a Constituição Mexicana de 17, em seu
artigo 27, “A Nação terá a todo o momento o direito de impor à propriedade privada padrões
que ditam o interesse público (...)”[16];
por sua vez, a Constituição Alemã de 19 afirmava, no seu artigo 153, que “A
propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma
função no interesse social”[17].
Como se observa, a função social da propriedade é disciplina que está
intimamente ligada às Constituições do welfare state, que consagram o bem-estar
social.
Tratada
expressamente como norma constitucional pela primeira vez no Brasil com a
Constituição Federal de 1946 (art. 141, § 16)[18], a
função social da propriedade foi mantida em todas as Constituições
subsequentes, até aperfeiçoar-se nos moldes atuais em que a CRFB de 1988
dispõe, como direito fundamental do indivíduo, o direito à propriedade, e, como
dever, a obediência à sua função social[19].
Como
se não fosse suficiente tratar a matéria do direito de propriedade como direito
fundamental, o constituinte também a mencionou, no art. 170, inciso II, da
CRFB, como princípio geral da atividade econômica, e, numa demonstração de que
esse direito não é mais visto como absoluto, exclusivo e perpétuo, como
compreendido desde a época do direito romano até o fim da idade média, dispôs, num primeiro momento como
dever fundamental e depois como, também, princípio geral da atividade
econômica, que essa propriedade deve cumprir certa “função social”.[20]
Verifica-se
pela interpretação do texto constitucional que a ordem jurídica brasileira
continua assegurando à pessoa o direito de apropriar-se de bens de diferentes
espécies e naturezas jurídicas; entretanto, impõe ao proprietário uma limitação
de uso desses bens que, muito mais do que representar uma obrigação negativa do
indivíduo (a de se abster de uma utilização anti-social da propriedade),
implica num verdadeiro dever (uma obrigação positiva) de destinar ao bem de sua
propriedade uma finalidade social, que atenda ao interesse coletivo.
No entanto, há inegável
dificuldade em encontrar uma definição de “função social” num contexto genérico
e abstrato; o que parecer ser uma omissão do constituinte, já que apesar de sua
enorme importância não há, em regra, qualquer definição do que venha a ser esse
conceito, revela, na verdade, uma escolha proposital por um conceito jurídico
vago e indeterminado, o que permite à administração certa discricionariedade em
sua interpretação.
4.2. A FUNÇÃO
SOCIAL COMO CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO
Segundo doutrina Eros
Roberto Grau, “são indeterminados os conceitos cujos termos são ambíguos ou imprecisos
– especialmente imprecisos – razão pela qual necessitam ser completados por
quem os aplique”.[21]
Por sua vez, Andreas
Joachim Krell[22] relata
as raízes históricas da teoria ao afirmar que a Teoria dos Conceitos Jurídicos
Indeterminados nasceu na Alemanha no final do século XIX, quando o jurista
alemão Tezner contrapôs-se à teoria do austríaco Bernatzik.
Segundo
este último, autor da Teoria da Multivalência, os conceitos abertos teriam que
ser preenchidos pelos órgãos administrativos especializados sem que fosse
possível ao Judiciário rever tais decisões. Entendia Bernatzik, criador da
Teoria da Univocidade, que a aplicação do direito exigia certa margem de
apreciação subjetiva de seu executor e, sendo a Administração uma “perita do interesse público”, caber-lhe-ia determinar,
segundo suas próprias convicções, quais eram as medidas necessárias para a
realização desse bem comum.
Contrário a esse perigoso
subjetivismo na interpretação dos conceitos jurídicos vagos, Tezner defendia um
controle objetivo de todos os conceitos normativos das leis que regiam as
relações entre a Administração e os cidadãos, inclusive os conceitos vagos.
Essa discussão evoluiu para
o entendimento de que os “conceitos jurídicos indeterminados” não mais eram
considerados como uma expressão da discricionariedade, mas, conceitos
plenamente sindicáveis pelo Judiciário mediante interpretação.[23]
O advento da criação da
República Federal da Alemanha no período pós-guerra contribuiu substancialmente
para uma ainda maior redução da discricionariedade dos órgãos administrativos
na interpretação de tais conceitos vagos, uma vez que a experiência traumática
do regime nazista reduziu a confiança dos cidadãos na Administração, tendo sido
essa confiança paradoxalmente transferida para o Poder Judiciário daquela
nação. Essa confluência de fatores serviu para que, à época, acreditassem os
alemães na possibilidade de que as decisões administrativas pudessem ser
decifradas pelos tribunais através dos modernos meios da hermenêutica,
interpretação teleológica etc.[24]
Essa teoria predominou
entre os juristas alemães até alcançar o seu ápice no final da década de 70 do
século passado, quando se verificou naquele país um controle judicial quase
total dos conceitos legais indeterminados[25].
Desde então, cresce na Alemanha a corrente doutrinária que critica esse
controle judicial abrangente sobre tais conceitos vagos, chegando até mesmo a
defender que, nesses casos em que o conceito jurídico é indeterminado, o
legislador habilita a Administração a completar, no ato da aplicação, a
hipótese normativa incompleta ou a concretizar uma norma aberta.
Em precisa definição, João
Maurício Adeodato assevera que os conceitos jurídicos indeterminados “são
opiniões mais ou menos indefinidas a que, ainda assim ou talvez justamente por
isso, a maioria empresta sua adesão, ao mesmo tempo que preenche os
inevitáveis pontos escuros e ambíguos com sua própria opinião pessoal (...)”.[26]
Não há, em linhas gerais,
uma definição precisa de “função social”, e nem mesmo de “propriedade”, sendo
estes alguns dos muitos conceitos jurídicos indeterminados encontrados na CRFB
e em toda a legislação infraconstitucional e que, em razão de seu conteúdo vago
e indeterminado, acabam por permitir ao aplicador da norma que faça a
interpretação de seu conceito e defina a sua extensão, o que implica num
exercício amplo de discricionariedade pela Administração pouco, ou quase nunca,
sindicável pelo Judiciário brasileiro, já que há uma notável resistência de
nossos tribunais em interferir no mérito da decisão administrativa.
Nestes casos, não raras são
as vezes em que a interpretação do conceito jurídico indeterminado é
questionada, sendo bastante comum que o Poder Judiciário se esquive da
sindicância do ato administrativo sob o argumento de que essa interpretação faz
parte da discricionariedade da Administração, argumentando, em regra, que “os
critérios de conveniência e oportunidade não podem ser discutidos pelo
Judiciário, que deve apenas se ater ao controle da legalidade do ato
impugnado”.[27]
Certamente a crítica a essa
liberdade da Administração em “preencher os vazios” da norma de conteúdo
jurídico indeterminado contraria a corrente majoritária da doutrina que entende
ser necessária essa discricionariedade; no entanto, numa democracia jovem e que
apresenta sérios vícios em todas as suas estruturas de poder, como a
brasileira, essa discricionariedade interpretativa leva à insegurança jurídica
em razão da possibilidade de que haja uma análise subjetiva do caso concreto.
Discordâncias pontuais à
parte, o certo é que a adoção da função social da propriedade como um conceito
jurídico indeterminado foi proposital e plenamente justificável. Transferindo
ao Judiciário o poder de interpretar o conceito, preenchendo o seu conteúdo,
sintoma de uma nova racionalidade jurídica, pretendeu o legislador que esse
conceito não fosse estático; ao contrário, a ideia é de um conceito que possa
se transmudar em razão dos costumes e das diferentes épocas, não precisando,
portanto, que nenhuma norma infraconstitucional venha definir precisamente o
seu conteúdo.
E mais; levando-se em
consideração que os direitos fundamentais têm aplicação imediata, não
dependendo de regulamentação por norma infraconstitucional[28],
não se admite que o Poder Judiciário se esquive de interpretar o conteúdo dos conceitos
jurídicos indeterminados, dando-lhes a exata extensão que a realidade social
requer, sob o argumento de que há imprecisão no conceito. A lógica é exatamente
a inversa, já que esse exercício de discricionariedade é necessário como
instrumento de legitimação do direito à propriedade.
4.3. A TEORIA DA
PROPRIEDADE COMO FUNÇÃO SOCIAL
Augusto Comte[29],
ainda em 1850, já realçava a finalidade social que devia tocar, sobretudo, a
propriedade dos bens de produção:
Em todo o estado normal da
Humanidade, todo cidadão, qualquer que seja, constitui realmente um funcionário
público, cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinam ao mesmo tempo
obrigações e pretensões. Este princípio universal deve, certamente, estender-se
até a propriedade, na qual o Positivismo vê, sobretudo, uma indispensável
função social destinada a formar e administrar os capitais com os quais cada
geração prepara os trabalhos da seguinte. Sabiamente concebida, esta apreciação
normal enobrece a sua possessão sem restringir a sua justa liberdade e até
fazendo-a mais respeitável.
Assentadas as bases
doutrinárias para a evolução do conceito de propriedade, somente a partir das
lições de Léon Duguit, criador da expressão propriedade-função em substituição
a direito subjetivo de propriedade, é que se elaborou uma arrojada tese da
função social da propriedade. Segundo o renomado constitucionalista, “a
propriedade é instituição jurídica que se formou para responder a uma
necessidade econômica, como todas as instituições jurídicas, e ela evoluciona
no mesmo ritmo das necessidades econômicas; e estas necessidades,
transformando-se em necessidades sociais, transformam a propriedade em função
social, considerando a interdependência cada vez mais estreita dos elementos
sociais”.[30]
Segundo a sua teoria,
flagrantemente fundada em argumentos sociológicos e econômicos, as necessidades
econômicas e sociais satisfazem-se com a afetação dos bens de produção a uma
finalidade produtiva, uma vez que, segundo o doutrinador, somente aqueles que
detêm a riqueza podem aumentar a riqueza nacional. Sintetizando a essência de
sua teoria afirmou[31]:
Está, pues, obligado
socialmente a realizar esta tarea, y no será protegido socialmente más que si
la cumple y en la medida que la cumpla. La propriedad no es, pues, El derecho
subjetivo del proprietario; es la función social del tenedor de la riqueza.[32]
Tamanha a repercussão da
doutrina de Léon Duguit nos debates jurídicos da época que, em 1917, a notável
Constituição alemã, consagrou em seu texto a função social da propriedade com a
expressão “a propriedade obriga”.
4.4. A
PROPRIEDADE INDUSTRIAL DOS BENS DE PRODUÇÃO DOTADOS DE FUNÇÃO SOCIAL
Como se pode observar pelas
distinções doutrinárias necessárias à compreensão do direito de propriedade e
da função social que lhe foi incumbida, os bens da propriedade industrial
classificam-se como bens de produção dotados de uma função social, já que as
patentes de invenção e de modelo de utilidade, além das marcas e do desenho
industrial, interessam à ordem econômica, sendo incontestável fonte de riquezas
e de desenvolvimento social, razão pela qual deles se espera o cumprimento da
finalidade de atender ao interesse coletivo.
Essa constatação pode ser
feita pela referência expressa que fez a parte final do inciso XXIX, do art. 5º
da CRFB às finalidades de que sejam atendidos o “interesse social” e o
“desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
Trata-se, portanto, de um
poder-dever em que ao titular desse direito de propriedade se impõe não apenas
o a obrigação de abster-se de utilizar estes bens imateriais em prejuízo de
outrem, mas o dever de exercê-lo em favor de outrem[33]. A
função social deste tipo de propriedade impõe ao titular desse direito um
comportamento positivo também de fazer, diferentemente do já superado entendimento
de que a função social seria uma vertente do poder de polícia que impõe ao
titular de um direito a obrigação de não-fazer.
Feitas estas distinções
necessárias, afigura-se bastante razoável acolher a observação de Eros Roberto
Grau[34] quanto
à duplicidade de tratamento da função social da propriedade na Constituição
Federal:
À propriedade dotada de
função individual respeita o art. 5º, XXII do texto constitucional; de outra
parte, a “propriedade que atenderá a sua função social”, a que fez alusão o inciso
seguinte – XXIII – só pode ser aquela que exceda o padrão qualificador da
propriedade como dotada de função individual. À propriedade-função social, que
diretamente importa à ordem econômica - propriedade dos bens de produção –
respeita o princípio inscrito no art. 170, III.
No mais, quanto à inclusão
do princípio da garantia da propriedade privada dos bens de produção entre os
princípios da ordem econômica, tem o condão de não apenas afetá-los pela função
social – conúbio entre os incisos II e III do art. 170 – mas, além disso, de
subordinar o exercício dessa propriedade aos ditames da justiça social e de
transformar esse mesmo exercício em instrumento para a realização do fim de
assegurar a todos existência digna.
A consagração da proteção à
propriedade como princípio geral da atividade econômica teve como inspiração o
ideal capitalista de preservação da propriedade privada dos bens de produção.
Contudo, a sua destinação social, como poder-dever que se impõe ao
proprietário, impele o titular desse direito que o exerça tendo em vista os
ideais da justiça social e garantia de existência digna para todos.
4.5. AS
DIFERENTES FUNÇÕES SOCIAIS EXPRESSAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A CRFB faz referências em
seu texto a dois outros tipos de propriedades a quem são destinadas funções
sociais expressamente definidas. São elas: a propriedade urbana e a propriedade
rural. Ao contrário da função social incumbida à propriedade de bens de consumo
dotados de função individual, tratada pelo constituinte no inciso XXIII, do art.
5º da CRFB, a função social da propriedade urbana é expressamente definida no
§2º, do art. 182 do texto constitucional, como sendo o atendimento das
“exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”
Percebe-se, assim, que o constituinte
transferiu para o legislador ordinário a atribuição de definir quais as
exigências do plano diretor de cada cidade, levando em consideração,
consequentemente, as peculiaridades e as necessidades locais, sendo que o
cumprimento da função social deste tipo de propriedade se dá com o atendimento
destas exigências. A hipótese é de um uma função social de sentido diferido, já
que depende da legislação infraconstitucional para definir o seu conteúdo e a
sua extensão.
Por sua vez, a função
social da propriedade rural encontra sua exata definição nos próprios termos da
CRFB, já que seu art. 186 descreve os critérios de identificação do cumprimento
de sua função social. São eles: o aproveitamento racional e adequado, a
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho, e,
finalmente, a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
Finalmente, a função social
da propriedade dos bens de produção, dentre os quais se inserem os bens da
propriedade industrial, encontra seus parâmetros, ainda que pouco delimitados,
na parte final do inciso XXIX, do art. 5º da CRFB; diz-se, portanto, que os
bens da propriedade industrial cumprem sua função social quando visam “o
interesse social” e o “desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
Não há uma única função
social da propriedade porque esta também não é única. Como se observa do texto
constitucional, para cada espécie de propriedade, de acordo com sua natureza, o
legislador prescreve exigências diferenciadas para o cumprimento de sua função
social. Em alguns casos, como o da propriedade urbana e da propriedade rural, o
constituinte preferiu definir no próprio texto da CRFB a função social que se
lhe impõe. Em outros casos, como na propriedade de bens de consumo dotados de
função individual, o legislador restringe-se, apenas, a fazer uso de um
conceito jurídico indeterminado amplo, transferindo à Administração a
discricionariedade para que complete seu conteúdo.
Já a função social da
propriedade industrial, ao que nos parece, recebeu do constituinte um
tratamento intermediário. Condicionando o cumprimento de sua função social ao
atendimento do interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do
País, o constituinte aproveitou-se de conceitos jurídicos também
indeterminados, mas de menor grau de abstração e de conteúdo vinculado às suas
prescrições, para conferir à Administração a discricionariedade de, através de
seu órgão técnico-administrativo, o Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI), definir se aqueles bens de natureza móvel[35] cumprem a finalidade que deles de
espera.
Esse mesmo entendimento é
defendido por Gustavo Binenbojm em interessante abordagem acerca do direito à
proteção das patentes como direito fundamental:
Como se vê, o legislador
não dispõe de total liberdade na definição dos contornos do direito à
propriedade intelectual, senão que está jungido às finalidades
pré-estabelecidas pelo constituinte originário que devem nortear o regime
jurídico desse direito. Tais finalidades são, como visto, o interesse social e
o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.[36]
É o caso da exigência
contida na Lei n.º 9.279/96, em que se deverá observar na análise do pedido
procedida pelo INPI, nos casos de patente, se estão caracterizados, como
requisitos necessários à patenteabilidade de um invento ou de um modelo de
utilidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial[37].
Trata-se de exigência técnica destinada a saber se aquele invento ou modelo de
utilidade efetivamente se constitui num verdadeiro progresso
científico-tecnológico para o País, como, também, se esse avanço se opera em
benefício do interesse comum. Fora destes casos, não se deve conceder o privilégio
temporário de exploração exclusiva conferido pela patente.
Mesmos que já tenha sido
deferido em favor do indivíduo a propriedade de bens da propriedade industrial,
uma patente por exemplo, a Lei n.º 9.279/96 define as hipóteses em que,
exercidos egoísticamente os direitos que a propriedade industrial confere ao
seu titular, de forma a não atender ao interesse coletivo, poderá haver o
licenciamento compulsório das patentes de invenção e de modelo de utilidade[38].
6. CONCLUSÕES
O
novo conceito de propriedade, concebido a partir
das transformações sociais ocorridas no último século, principalmente
caracterizada pela transição do Estado liberal e sua superada doutrina da
propriedade como meio de afirmação do poder e da riqueza do indivíduo e de
instrumento de consagração de sua liberdade, para o Estado social e sua visão
do direito de propriedade condicionado ao atendimento do interesse social, fez
com que o instituto da propriedade industrial passasse a ser interpretado em
harmonia com o novo paradigma constitucional da função social da propriedade.
Ao
lado do legítimo interesse que tem o
Estado de conferir ao titular do bem da propriedade industrial privilégio temporário para a exploração
com exclusividade do objeto havido de seu intelecto criativo, uma vez que dos
avanços tecnológicos aproveita-se toda a sociedade, há de se impor ao titular
desses direitos limites para que esse mecanismo de restrição ao livre direito
de concorrência não se transforme em proteção estatal ao abuso do direito de
exploração exclusiva da propriedade.
Neste
sentido, o constituinte vinculou a proteção do direito da propriedade
industrial ao atendimento de condições pré-estabelecidas na norma fundamental
como caracterizadoras da função social deste
tipo de propriedade, o atendimento do interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do País.
Apesar de tratar
a matéria como direito fundamental, o que nos parece um resquício da visão
absolutista da propriedade consagrada nos ideais revolucionários franceses do
final do século XVIII, o constituinte deu-lhe, também, o tratamento de
princípio geral da atividade econômica, o que, no caso dos bens da propriedade
industrial, representa a sua verdadeira natureza e destinação, o de bens de produção dotados
de uma finalidade social.
Ao constatar-se que o texto
constitucional diferencia as diversas propriedades e, consequentemente, as
também diversas funções sociais que lhes são impostam, há de se observar que a
nítida intenção do constituinte foi a de valer-se dos conceitos jurídicos
indeterminados “interesse social” e “desenvolvimento tecnológico” para
condicionar a discricionariedade da administração na aferição do atendimento a
essas exigências.
A função social da
propriedade industrial seria, portanto, a finalidade imposta pela norma
constitucional de que estes bens imateriais sejam destinados ao atendimento dos
interesses coletivos nela descritos, sendo que, ao titular destes direitos que
os exerce de forma abusiva, devem ser impostas as penalidade descritas na norma
infraconstitucional, a exemplo do licenciamento compulsório de patentes.
7. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ADEODATO, João Maurício. A
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14 de maio de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm.
Acesso em: 20.08.2008
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Pinto Fontoura. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Félix
Fischer. Brasília, 02 de fevereiro de 2006. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500241465&pv=000000000000.
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SILVA, José Afonso da. Comentário
Contextual à Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores, 2007.
NOTAS
[1] SILVA, José Afonso da. Comentário
Contextual à Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores, 2007, p. 56
[2] ANDRADE, Vieira apud MENDES, Gilmar
Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional.
2ª edição ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 236
[3] CANOTILHO, J. J. Gomes apud op. cit.,
p. 236
[4] SANCHIS, Pietro apud MENDES, Gilmar
Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional.
2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237
[5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso
de Direito Constitucional. 31ª ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 305
[6] op. cit.
[7] op. cit., p. 310
[8] MAMEDE, Gladston. Direito
Empresarial Brasileiro: Empresa e Atuação Empresarial. 2ª ed..
São Paulo: Atlas, 2007, p.228.
[9] COMPARATO, Fábio Konder apud GRAU, Eros
Roberto. A Ordem Econômica na Constituição
de 1988. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
234 e 235.
[10] MORAES, José Diniz de. A
Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988.
São Paulo: Malheiros, 1999, p. 34.
[11] GRAU, Eros Roberto. A
Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. ver. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 225
[12] op. cit., p. 237
[13] op. cit., p. 238
[14] apud MATIAS, João Luis Nogueira. Repensando
o Direito de Propriedade. CONPEDI. Disponível em:
http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/reconst_da_dogmatica_joao_luis_matias_e_afonso_rocha.pdf.
Acesso em: 24.08.2008.
[15] apud MATIAS, João Luis Nogueira. Repensando
o Direito de Propriedade. CONPEDI. Disponível em:
http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/reconst_da_dogmatica_joao_luis_matias_e_afonso_rocha.pdf.
Acesso em: 24.08.2008
[16] MÉXICO. Constitución
Federal de 1917. Disponível em:
http://pdba.georgetown.edu/constitutions/mexico/mexico1917.html. Acesso em :
20.08.2008.
[17] apud MORAES, José Diniz de. A
Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988.
São Paulo: Malheiros, 1999.
[18] BRASIL. Constituição Federal de 1946.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm. Acesso em
20.08.2008.
[19] Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade
atenderá a sua função social; (...)
[20] Art. 170. A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...) II - propriedade privada; III -
função social da propriedade; (...)
[21] GRAU, Eros Roberto apud SANTIAGO, Alex
Fernandes. A Função Social da Propriedade e a
Reserva Legal. Disponível em:
www.ammp.org.br/artigos/alexsantiago.doc. Acesso em: 20.08.2008.
[22] KRELL, Andreas J. Discricionariedade
Administrativa e Proteção Ambiental. O Controle dos Conceitos Jurídicos
Indeterminados e a Competência dos Órgãos Ambientais: um Estudo Comparativo.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 29.
[23]op.
cit., p. 32.
[24] KRELL, Andreas J. Discricionariedade
Administrativa e Proteção Ambiental. O Controle dos Conceitos Jurídicos
Indeterminados e a Competência dos Órgãos Ambientais: um Estudo Comparativo.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 31
[25] op. cit., p. 31.
[26] ADEODATO, João Maurício. A
Discricionariedade Administrativa. Boletim Jurídico. Edição n.º
211. Disponível em:
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1674. Acesso em:
24.08.2008.
[27] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Recurso em Mandado de Segurança n.º 19590. Recorrente: Gilberto Pinto Fontoura.
Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Félix Fischer.
Brasília, 02 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500241465&pv=000000000000.
Acesso em: 20.08.2008.
[28] BRASIL, Constituição da República
Federativa do Brasil. . Brasília: Senado Federal, 1988, art. 5º, § 1º.
[29] apud MORAES, José Diniz de. A
Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988.
São Paulo: Malheiros, 1999, p. 93
[30] apud MORAES, José Diniz de. A
Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988.
São Paulo: Malheiros, 1999, p. 95
[31] op. cit.
[32] Por isso, é socialmente obrigado a
executar esta tarefa, e que não será socialmente protegido apenas no caso de o
cumprir, e na medida em que satisfaz. A propriedade não é, portanto, o direito
subjetivo do proprietário, é a função social do titular da riqueza.
[33] GRAU, Eros Roberto. A
Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. ver. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 244
[34] ibidem, p. 247
[35] Art. 5º Consideram-se bens móveis, para
os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.
[36] BINENBOJM, Gustavo e GAMA JÚNIOR,
Lauro. O Direito à Proteção Patentária como Direito Fundamental: Interpretações
Sistemática, Teleológica, Constitucional e Internacional. Direito
Federal – Revista
da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Campinas, n.º 23, p. 158. 1º
semestre, 2005.
[37] Art. 8º É patenteável a invenção que
atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
[38] Art. 68. O titular ficará sujeito a ter
a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes
de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico,
comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.
§ 1º Ensejam, igualmente,
licença compulsória:
I - a não exploração do
objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou
fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do
processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando
será admitida a importação; ou
II - a comercialização que
não satisfizer às necessidades do mercado.
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Autor
Fernando Antônio Jambo Muniz Falcão
advogado em Maceió (AL), professor da Universidade Federal de
Alagoas (UFAL)
Informações
sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
FALCÃO, Fernando Antônio Jambo Muniz. A função social da
propriedade industrial. Jus Navigandi,
Teresina, ano
19, n.
3875, 9 fev. 2014.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26659>.
Acesso em: 10 fev. 2014.
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA.
ABSTENÇÃO DE USO DE EMBALAGENS DE BALAS, EM VIRTUDE DE PEDIDO DE REGISTRO DAS
MARCAS JUNTO AO INPI. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL.
Inexistindo registro da marca em nome da autora, não há falar em exclusividade
do seu uso, consoante dispõe o artigo 129, da Lei n. 9279/1996, mostrando-se
adequada a sentença que extinguiu o feito em virtude da ausência de interesse
processual.
APELAÇÃO DESPROVIDA.
Apelação Cível
|
Nona Câmara
Cível
|
Nº 70030954531
|
Comarca de
Arroio do Meio
|
PECCIN S.A.
|
APELANTE
|
WALLERIUS S.A. DOCES E ALIMENTOS
|
APELADO
|
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à
unanimidade, em negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, as
eminentes Senhoras Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira
(Presidente e Revisora) e Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi.
Porto Alegre, 08 de julho de 2010.
DES. MÁRIO CRESPO BRUM,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Mário Crespo Brum (RELATOR)
Trata-se de apelação cível manejada pela Peccin S/A em
face de sentença que julgou extinta, na forma do artigo 267, inciso VI, do CPC,
por ausência de interesse processual, a ação ordinária ajuizada contra
Wallerius S/A Doces e Alimentos, em que a demandante postulava a condenação da
requerida à abstenção de uso de embalagens de balas similares àquelas que a
autora normalmente utiliza, e à reparação de danos materiais e morais decorrentes
da conduta irregular da parte adversa.
O julgador a quo
extinguiu o feito (fls. 173-174), reconhecendo a ausência de interesse
processual, pois apesar de ter encaminhado a documentação necessária o registro
das marcas de embalagem junto ao INPI, a autora ainda não obteve o seu
registro, inexistindo decisão definitiva daquele órgão a respeito do pedido
então formulado. Foi condenada a autora ao pagamento das custas processuais e
de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos
reais).
Apelou a demandante (fls. 176-181), defendendo a
existência de interesse processual, mostrando-se possível a proteção da marca a
partir do pedido de registro, ainda que ainda não tenha sido deferido, em
caráter definitivo, o seu registro. Citou jurisprudência que entende amparar
suas pretensões e pediu o provimento do recurso.
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 186-195).
Em sessão de julgamento realizada em 20.08.2009, a 17ª
Câmara Cível desta Corte declinou da competência para uma das Câmaras
integrantes dos 3º ou 5º Grupos Cíveis (acórdão às fls. 198-199,verso).
Vieram-me os autos por redistribuição (fl. 201,verso).
É o relatório.
VOTOS
Des. Mário Crespo Brum (RELATOR)
Eminentes colegas.
A pretensão deduzida no presente feito diz com a vedação
de uso, pela requerida, de marca supostamente registrada pela demandante junto
ao INPI, e com a reparação dos danos materiais e morais decorrentes de tal
conduta.
Não merece acolhimento a inconformidade,
caracterizando-se a ausência de interesse processual, visto não ter sido
comprovado o efetivo registro das marcas ora discutidas junto ao INPI.
Assim dispõe o artigo 129, da Lei n. 9279/1996:
Art. 129. A
propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido,
conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso
exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e
de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou
depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou
semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico,
semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
§ 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido
juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação
com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.
Na hipótese sob comento, no entanto, a empresa autora
não demonstrou a efetiva expedição do registro da marca pelo INPI em seu nome,
não se mostrando suficiente para a proteção o mero pedido de registro junto
àquele órgão público.
Desta forma, não há falar em direito à proteção das
marcas Morango do Amor e Maçã Verde do Amor, conforme pretendido
pela autora-apelante.
Neste sentido, cito os precedentes desta Corte:
DIREITO PRIVADO NÃO
ESPECIFICADO. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA. REGISTRO NO INPI.
OBRIGATORIEDADE. 1. A utilização do uso
exclusivo de marca pressupõe que ela esteja registrada no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial - INPI (Inteligência do art. 129 da Lei nº 9.279/96),
caso contrário, não há falar em exclusividade. (...) Apelação desprovida.
(Apelação Cível Nº 70030174833, Décima
Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima
Moraes, Julgado em 14/10/2009)
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. DESENHO INDUSTRIAL.
ALEGAÇÃO DE CONTRAFAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA NA ORIGEM OBSTANDO A
AGRAVANTE DE COMERCIALIZAR E EXPOR À VENDA SEUS PRODUTOS, SOB PENA DE MULTA
DIÁRIA. DESCABIMENTO. MERO PEDIDO DE DEPÓSITO, DESPROVIDO DE EFETIVO
REGISTRO. INDÍCIOS DE QUE A RECORRENTE JÁ COMERCIALIZAVA SEUS PRODUTOS ANTES DA
DATA DO DEPÓSITO NO INPI. VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO E RISCO DE LESÃO
IRREPARÁVEL NÃO CARACTERIZADOS. REVOGAÇÃO DA DECISÃO. I. Para a concessão de tutela inibitória de urgência, com base na
proteção de propriedade industrial, concernente na proibição de uma concorrente
sua seja proibida de comercializar os seus produtos, é necessário a prova de
que o requerente é detentor de registro do desenho industrial junto ao
Instituto Nacional da Propriedade Industrial ¿ INPI. Não basta para tanto o
mero depósito do pedido de registro, ao menos para fins de medida antecipatória
de tutela. Inteligência do art. 109, caput, da Lei nº 9.279/96. (...) AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo
de Instrumento Nº 70029477429 ,
Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires,
Julgado em 13/08/2009 )
Do exposto, voto para negar provimento à apelação.
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E
REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi - De
acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA -
Presidente - Apelação Cível nº 70030954531, Comarca de Arroio do Meio: "NEGARAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO. UNÂNIME ."
Julgador(a) de 1º Grau: JOAO REGERT
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Propriedade
industrial. Marca de alto renome. Proteção exclusiva.
Agravo
Regimental no Recurso Especial nº 954.378-MG
STJ
- 4ª Turma
Rel.
Min. João Otávio de Noronha
Data
do julgamento: 14/4/2011
Votação:
unânime
Processual
Civil e propriedade industrial - Agravo regimental em recurso especial - Marca
registrada - Alto renome - Proteção especial - Art. 125 da Lei nº 9.279/1996 -
Exceção ao princípio da especialidade - Recurso provido.
1
- Desde que devidamente registrada no Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (Inpi), tem proteção especial em todos os ramos de atividade (art.
125 da Lei da Propriedade Industrial) a marca de alto renome se comprovado que
é possível a sua confusão com outra marca, ainda que as áreas de atuação das
empresas sejam distintas, tenham elas clientela específica e os respectivos
produtos não se identifiquem. 2 - É assegurada à marca de alto renome, em
relação a classes e segmentos mercadológicos diversos, a extensão dos efeitos
do seu registro no território nacional, porquanto a Lei da Propriedade
Industrial, fundando-se na defesa das ideias e criações, da propriedade e dos
consumidores, excepciona a aplicação do princípio da especialidade. 3 - Agravo
regimental provido para se conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.
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Fabricante do Sorine não consegue impedir concorrência de
marca parecida
A empresa Pharmascience Laboratórios Ltda. poderá
continuar produzindo e vendendo o descongestionante nasal Sorinan. A marca
vinha sendo contestada pela Aché Laboratórios Farmacêuticos S/A, que produz o
Sorine, mas a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que
o uso do nome Sorinan não ofende a Lei de Propriedade Industrial (Lei n.
9.279/1996).
A Aché ingressou na Justiça de Minas Gerais com ação em que pedia que a outra empresa fosse proibida de vender o medicamento Sorinan e ainda lhe pagasse indenização por prejuízos materiais e morais. Segundo a autora, a adoção de nome parecido caracterizaria concorrência desleal por parte da Pharmascience, que estaria se aproveitando do sucesso do Sorine – marca registrada previamente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) – e causando confusão entre os consumidores.
De fato, o registro do Sorinan no INPI só veio a ser concedido durante o curso do processo judicial. Ainda assim, o juiz da 1ª Vara Cível de Betim negou os pedidos formulados pela Aché, decisão confirmada depois pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Para a corte estadual, “a similitude das marcas de produto farmacêutico em razão da utilização de radical indicativo do princípio ativo do medicamento não configura concorrência desleal”.
Ao analisar recurso da Aché no STJ, a ministra Nancy Andrighi concordou com o entendimento do tribunal mineiro, observando que o radical “sor”, presente nas duas marcas, é uma referência ao princípio ativo do medicamento (cloreto de sódio). Segundo ela, esse radical “guarda especificidade direta e imediatamente vinculada ao produto que identifica, qual seja, solução isotônica de cloreto de sódio, popularmente conhecida como soro”.
“Na indústria farmacêutica”, acrescentou a ministra, “a evocação de radicais, prefixos e sufixos que definem o princípio ativo do remédio, bem como que se referem ao órgão ou parte do corpo humano em que terá atuação, é situação habitual”. Como exemplo, ela citou os radicais “amoxi”, “flox”, “rino” e “card”, presentes em grande número de rótulos encontrados nas farmácias.
Nancy Andrighi afirmou que não se deve tratar com excessivo rigor a questão de marcas parecidas no mercado de medicamentos. Afinal, disse, o consumidor está acostumado a essas situações e cria vínculos “com outros elementos além da marca nominativa, principalmente com o laboratório produtor e o preço”. Na opinião da ministra, após a criação dos medicamentos genéricos ficou ainda mais visível a preocupação do consumidor com esses dois fatores extramarca: de um lado, o preço menor; de outro, a tradição do laboratório produtor.
A relatora assinalou que a Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 124, não permite que se registre como marca “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva”.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, “admitir a exclusividade no uso do radical evocativo ‘sor’, isoladamente, assemelha-se a assegurar verdadeiro monopólio ao titular do registro mais antigo para utilizar em sua marca a referência à substância principal do produto”. Ela ressaltou que o registro de marcas tem o objetivo de evitar a usurpação e também de proteger o consumidor contra confusões sobre a origem do produto, mas disse que a lei, “para além da repressão à concorrência desleal, objetiva tutelar a livre concorrência”.
A Aché ingressou na Justiça de Minas Gerais com ação em que pedia que a outra empresa fosse proibida de vender o medicamento Sorinan e ainda lhe pagasse indenização por prejuízos materiais e morais. Segundo a autora, a adoção de nome parecido caracterizaria concorrência desleal por parte da Pharmascience, que estaria se aproveitando do sucesso do Sorine – marca registrada previamente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) – e causando confusão entre os consumidores.
De fato, o registro do Sorinan no INPI só veio a ser concedido durante o curso do processo judicial. Ainda assim, o juiz da 1ª Vara Cível de Betim negou os pedidos formulados pela Aché, decisão confirmada depois pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Para a corte estadual, “a similitude das marcas de produto farmacêutico em razão da utilização de radical indicativo do princípio ativo do medicamento não configura concorrência desleal”.
Ao analisar recurso da Aché no STJ, a ministra Nancy Andrighi concordou com o entendimento do tribunal mineiro, observando que o radical “sor”, presente nas duas marcas, é uma referência ao princípio ativo do medicamento (cloreto de sódio). Segundo ela, esse radical “guarda especificidade direta e imediatamente vinculada ao produto que identifica, qual seja, solução isotônica de cloreto de sódio, popularmente conhecida como soro”.
“Na indústria farmacêutica”, acrescentou a ministra, “a evocação de radicais, prefixos e sufixos que definem o princípio ativo do remédio, bem como que se referem ao órgão ou parte do corpo humano em que terá atuação, é situação habitual”. Como exemplo, ela citou os radicais “amoxi”, “flox”, “rino” e “card”, presentes em grande número de rótulos encontrados nas farmácias.
Nancy Andrighi afirmou que não se deve tratar com excessivo rigor a questão de marcas parecidas no mercado de medicamentos. Afinal, disse, o consumidor está acostumado a essas situações e cria vínculos “com outros elementos além da marca nominativa, principalmente com o laboratório produtor e o preço”. Na opinião da ministra, após a criação dos medicamentos genéricos ficou ainda mais visível a preocupação do consumidor com esses dois fatores extramarca: de um lado, o preço menor; de outro, a tradição do laboratório produtor.
A relatora assinalou que a Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 124, não permite que se registre como marca “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva”.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, “admitir a exclusividade no uso do radical evocativo ‘sor’, isoladamente, assemelha-se a assegurar verdadeiro monopólio ao titular do registro mais antigo para utilizar em sua marca a referência à substância principal do produto”. Ela ressaltou que o registro de marcas tem o objetivo de evitar a usurpação e também de proteger o consumidor contra confusões sobre a origem do produto, mas disse que a lei, “para além da repressão à concorrência desleal, objetiva tutelar a livre concorrência”.
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INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
É considerada pela lei brasileira como indicação geográfica a
indicação de procedência ou a denominação de origem.
Indicação
de procedência é o nome geográfico de um país, cidade, região ou uma localidade
de seu território, que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação
ou extração de determinado produto ou prestação de determinado serviço.
Denominação
de origem é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características
se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores
naturais e humanos.
OBJETIVO DA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
A indicação geográfica confere ao produto ou ao serviço uma
identidade própria, visto que o nome geográfico utilizado junto ao produto ou
ao serviço estabelece uma ligação entre as suas características e a sua origem.
Conseqüentemente, cria um fator diferenciador entre aquele produto ou serviço e
os demais disponíveis no mercado, tornando-o mais atraente e confiável.
Uma
vez reconhecida, a indicação geográfica só poderá ser utilizada pelos membros
daquela localidade que produzem ou prestam serviço de maneira homogênea.
QUEM PODE REQUERER O RECONHECIMENTO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
Podem requerer o reconhecimento de um nome geográfico como
indicação geográfica sindicatos, associações, institutos ou qualquer outra
pessoa jurídica de representatividade coletiva, com legítimo interesse e
estabelecida no respectivo território. Nesse caso, essa pessoa jurídica age
como substituto processual da coletividade que tiver direito ao uso de tal nome
geográfico.
O pedido de reconhecimento de indicação geográfica deverá ser
requerido em formulário próprio, onde deverão ser discriminadas, dentre outras,
informações acerca do nome da área geográfica e sua delimitação, descrição do
produto ou serviço, assim como deverá ser acompanhado do comprovante do
recolhimento da retribuição devida, da procuração, e das respectivas etiquetas,
no caso de apresentação figurativa ou mista.
O
pedido deverá conter, ainda, elementos que comprovem ter a localidade se
tornado conhecida como centro de extração, produção ou fabricação do produto ou
como centro de prestação do serviço, e elementos que comprovem estarem os
produtores ou prestadores de serviços estabelecidos na área geográfica objeto
do pedido e efetivamente exercendo as atividades de produção ou prestação de
serviços.
No
caso de reconhecimento do nome geográfico como denominação de origem, o pedido
deverá conter, além dos elementos anteriormente citados, as características e
qualidades físicas do produto ou do serviço que se devam EXCLUSIVA ou ESSENCIALMENTE ao
meio geográfico; e a descrição do processo ou método de obtenção do produto ou
serviço que devem ser locais, leais e constantes.
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Marca - Utilização em nome comercial - Impossibilidade - Direito
de exclusividade - Princípio da Especialidade - Serviços médico-hospitalares - Ao dispor a Lei nº
9.279/1996, em seu art. 129, que a propriedade da marca se adquire pelo
registro validamente expedido, torna-se claro que somente a partir daí é que
fica assegurado ao titular da marca nominativa a exclusividade de seu uso em
todo o território nacional. O que determina a possibilidade de utilização
exclusiva da marca é, justamente, a anterioridade de seu registro. Apenas o
titular de um registro de marca é quem detém, em relação à mesma, o direito de
propriedade e uso exclusivo (arts. 129 e 130 da Lei nº 9.279/1996, e 5º, inciso
XXIX, da Constituição Federal). Improvimento do Recurso (TJRJ - 1ª Câm. Cível;
ACi nº 2007.001.59740-RJ; Rel. Des. Maldonado de Carvalho; j. 4/3/2008; v.u.).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível nº
59.740/2007, em que é apelante C. Ltda. e apelado J.N.M.
Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao
Recurso, nos termos do Voto do Relator.
Custas pelo apelante.
Relatório às fls. 295-296.
VOTO
Não viceja, em primeiro exame, a preliminar, aqui renovada,
relativa à prescrição extintiva.
Com efeito, visando o autor à condenação da ré a se abster do uso,
em seu nome comercial, de marca sobre a qual detém a propriedade, o exercício
do direito de ação não se sujeita ao prazo prescricional previsto no art. 178,
§ 10, inciso IX, do Código Civil/1916, o qual se refere apenas à ofensa ou ao
dano causados ao Direito de Propriedade.
De fato, e como bem sinaliza a D. julgadora de 1º Grau, por se
cuidar de Tutela Inibitória objetivando impedir a utilização de marca, o prazo
prescricional só se inicia quando a utililização indevida se torna conhecida
pelo titular da marca (fls. 223-224).
Por conseguinte, e como assim também assinalado, “a pretensão do
autor de impedir que o réu se utilizasse de termo que compõe a marca registrada
por aquele somente surgiu com aquela decisão, de modo que as normas sobre
prescrição e a contagem do prazo têm como parâmetro a data da publicação da
decisão de antecipação da tutela, ou seja, 27/4/2007 (fls. 43)”, quando vigente
a regra prevista no art. 205 do Código Civil/2002 (fls. 224).
Quanto ao mérito, não obstante a crítica materializada nas razões
de recurso, verifica-se que, ao revés do que é afirmado, a decisão monocrática
deu correta solução à lide, não merecendo, pois, qualquer reparo.
De pronto, convém remarcar que o nome comercial não se confunde
com a marca, já que apenas a segunda é dotada de exclusividade.
Ora, ao dispor a Lei nº 9.279/1996, em seu art. 129, que a
propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido, torna-se
claro que somente a partir daí é que fica assegurada ao titular da marca
nominativa a exclusividade de seu uso em todo o território nacional.
Logo, o que determina a
possibilidade de utilização exclusiva da marca é, justamente, a anterioridade
de seu registro.
E o apelado, como bem se vê, foi quem registrou em primeiro lugar
a marca nominativa “...”, com o indicativo de serviços médicos e auxiliares
(fls. 19/33), o que lhe confere, com exclusividade, o seu uso, em todo o
território nacional.
Daí, e em razão da anterioridade do registro, não estar a apelante
autorizada à utilização da referida marca, sobre a qual não detém a propriedade
em seu nome comercial ou nome fantasia.
Apenas o titular de um registro de marca é quem detém, em relação
à mesma, o Direito de Propriedade e uso exclusivo (arts. 129 e 130 da Lei nº
9.279/1996, e 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal).
A sociedade ré, ainda na linha conclusiva da r. sentença
guerreada, presta serviços no mesmo ramo mercadológico do autor, sendo, pois,
concorrentes. A associação entre a marca notória do autor (...) e o Hospital
localizado em ..., não pertencente à rede, poderá certamente vir a prejudicar a
reputação constituída ao longo dos anos pelo impetrante, além de poder gerar
prejuízos aos consumidores, que poderão se enganar ao acreditar que estarão se
submetendo ao mesmo tratamento que obteriam caso estivessem em um dos hospitais
da rede (fls. 225-226).
Conseqüentemente, com assento no Voto do Em. Ministro Waldemar
Zveiter, “o emprego de nomes e expressões marcárias semelhantes - quer pela
grafia, pronúncia, ou qualquer outro elemento, capazes de causar dúvida ao
espírito dos possíveis adquirentes de bens exibidos para o comércio - deve ser
de imediato afastado (omissis). A proteção legal à marca (Lei nº 5.772/
1977, art. 59) tem por escopo reprimir a concorrência desleal, evitar a
possibilidade de confusão ou dúvida, o locupletamento com esforço e labor
alheios. A empresa que insere em sua denominação, ou como nome fantasia, expressão
peculiar passa, a partir do registro respectivo, a ter legitimidade para adotar
a referida expressão como sinal externo distintivo e característico e impedir
que outra empresa que atue no mesmo ramo comercial como tal a utilize” (fls.
123).
Correta, pois, a r. sentença de fls. 220/226, da lavra da I. Juíza
Marcia C. S. A. de Carvalho, que integralmente aqui se mantém, por seus
próprios termos. Daí o improvimento do Recurso.
Rio de Janeiro, 4 de março de 2008
Maldonado de Carvalho
Relator
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Marca devidamente
registrada no INPI garante o registro do domínio na Internet
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De
acordo com a Lei da Propriedade Industrial – Lei nº 9.279, de 14 de maio de
1996, que regula os direitos e as obrigações relativas a propriedade
industrial, exponho breves comentários sobre a registrabilidade da MARCA
junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI com a extensão
".com", caso o titular, pessoa jurídica ou pessoa física, venha a
possuir ou não endereço eletrônico na rede mundial de computadores –
Internet.
DA MARCA
Conforme
disposto no Título III, Capítulo I, Seção I, da Lei 9.279/96, em seu artigo
122, que diz: "São suscetíveis de registro como marca os sinais
distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições
legais.", em seguida temos o artigo 123 que considera o que seja uma
marca:Art. 123 – Para os efeitos desta lei, considera-se: I-marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produtos ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa; (grifamos) Sendo a MARCA todo sinal distintivo e visualmente perceptível no qual determinada pessoa jurídica ou pessoa física se utiliza para distinguir determinados produtos ou serviços de outros idênticos ou semelhantes, afim de que possa diferenciá-lo dos demais, temos que a MARCA tem o objetivo de diferenciar, não causando confusão ou mesmo dúvida quanto ao produto ou serviço que esteja sendo utilizado, como p.ex.: Fabricantes de cigarros que comercializam o mesmo produto, porém com marcas diferentes: Marlboro, Free, Carlton, Camel, etc. O mesmo com prestadores de serviços, p.ex.: D’Paschoal e Bandag, são prestadoras de serviços em automóveis e caminhões. A MARCA deve ser um sinal distintivo, capaz de diferenciar um produto do outro, um serviço do outro, não podendo causar confusão com marca alheia. Neste sentido a Lei 9.279/96, prescreve em seu artigo 124, incisos XIX e XXIII, transcrito abaixo: "Art. 124 – Não são registráveis como marca: (...) XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; (...) XXIII – sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão da atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional (...) se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia." (grifamos) Neste sentido a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXIX, prescreve que: "XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;" (grifamos) Cabe então a pergunta de onde surgiu a questão da registrabilidade do domínio junto à Internet, independentemente do registro da marca junto ao INPI? A Internet é regulada e organizada em nosso país pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, com a sigla CG, órgão criado pela portaria interministerial MC/MCT nº 147, de 31 de maio de 1995, e responsável pela edição da Resolução nº 001/98 publicado no D.O.U no dia 15 de maio de 1998, estabelecendo as regras para funcionamento do registro de nomes de domínios. Essa norma determina que será aceito o registro, como nome de domínio, de qualquer expressão, salvo aquelas de baixo calão, as reservadas pelo próprio Comitê Gestor (como por exemplo "Internet") e as marcas de alto renome ou notoriamente conhecidas, quando não requeridas pelo próprio titular, adotando-se para o registro o critério do "primeiro a registrar". A controvérsia surge em razão de excessiva simplicidade estabelecida pelo referido Comitê (CG) para registro dos domínios, o que acabou por gerar um conflito de interesses entre aqueles que os registram em primeiro lugar e os proprietários de marcas devidamente registradas junto ao INPI. Como é sabido tal permissividade no registro de domínios tem proporcionado constantes explorações indevidas de marcas, sejam elas mais ou menos conhecidas, eis que, quando os seus titulares desejam efetuar o registro na Internet, por vezes já as encontram utilizadas por um terceiro, e aí surge o conflito, pois o titular da MARCA fica impedido de explorá-la no mundo cibernético (a menos que se sujeite a adquirir do detentor do registro ou busque suporte na prestação jurisdicional). Em síntese, o assunto pode envolver quatro situações: (i) quando o primeiro a registrar o domínio é o detentor da marca; (ii) quando o primeiro a registrar o domínio não é o detentor da marca, e não sendo a mesma pertencente a qualquer outra pessoa; (iii) quando o primeiro a registrar o domínio é o detentor da marca e outra pessoa detém a mesma marca para outro segmento de atuação; (iv) quando o primeiro a registrar o domínio não é o detentor da marca, sendo esta de propriedade de terceiros. Nas duas primeiras hipóteses, aparentemente não haveria qualquer conflito, uma vez que na primeira o próprio detentor da marca efetua o registro do domínio, podendo explorá-lo normalmente na Internet e, na segunda, em razão da ausência de marca registrada que venha a impedir a exploração do domínio, sua utilização também se encontra desimpedida. Situações mais conflitantes teremos nos dois últimos casos, onde o item "iii" denota a real aplicação do critério do "primeiro a registrar", porquanto dirime qualquer controvérsia que poderia surgir. Cabe aqui abrirmos um parênteses, pois, se temos duas marcas idênticas, cada qual devidamente registrada na sua classe de atuação, o primeiro a registrá-la como domínio na Internet terá preferência na sua utilização. Nesse sentido, tanto a revista Veja quanto o produto de limpeza Veja são marcas registradas no INPI, sendo que a publicação editorial detém o domínio na Internet — exatamente em razão do critério "primeiro a registrar" adotado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CG. A mesma questão ocorre com o veículo Astra, e as louças sanitárias Astra e os condimentos/essências alimentícias Astra, cada qual devidamente registrado no INPI para seu titular, sendo que o domínio www.astra.com.br, está registrado para a General Motors. O último caso, entretanto, parece ser o mais conflituoso de todos, e tem requerido especial atenção do Poder Judiciário. Como o registro dos domínios não pressupõe a comprovação de propriedade da marca, este, eventualmente, pode ocorrer, mesmo que de boa-fé, violando a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96, que garante, em seu art. 129, o direito à exclusividade no uso da marca em todo o território nacional, o qual transcrevemos abaixo: "Art. 129 – A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional (...)" (grifamos). Dessa forma, quando o titular da marca, amparado pela legislação infraconstitucional pertinente e pelo art. 5º, inciso XXIX da Constituição Federal, requer o registro em seu nome de um domínio previamente registrado para terceiros, deve ser prontamente atendido, eis que, não fazê-lo representa dar guarida a uma resolução em detrimento de lei ordinária federal e dispositivo constitucional. Não existe lógica jurídica que permita a prevalência da referida resolução quando esta estiver em contradição com demais normas do ordenamento jurídico que lhe são hierarquicamente superiores. Se o CG optou por um processo simplificado de registro de domínios, com excessiva permissividade, fez com que um fato criador de um direito pudesse ocorrer cada vez que, inadvertidamente, alguém registrasse como domínio uma marca protegida por lei. Tal situação implica a faculdade do sujeito de direito (proprietário da marca) buscar amparo jurisdicional (facultas agendi) objetivando a proteção que lhe é dispensada pelo direito objetivo. Se o mundo cibernético não interessa ao proprietário da marca, sua faculdade de agir ficará sem efeito, não importando o fato para o mundo jurídico. Temos então, que a regulamentação pelo CG implica situação que futuramente pode e deve ser revista. A adequada medida acautelatória tomada por quem pretende registrar um domínio (verificando se aquela expressão não é marca registrada), ou a exigência de tal comprovação pelo CG, evitariam o constrangimento do cancelamento de um domínio publicado, com sua respectiva transferência para o legítimo detentor da marca. Considerando todo o exposto, relatamos abaixo a postura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quanto a matéria ora comentada: Ementa nº 245984 MARCAS E PATENTES – Agravo em ação cominatória – o registro de domínio na Internet não deve desconsiderar os direitos decorrentes do registro de marca junto ao INPI – A tutela antecipada, preenchidos os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, foi bem concedida – Agravo Improvido (Agravo de Instrumento nº 202.504-4/8 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: Paulo Hungria – 26.06.01 – V.U.) Ementa nº 254906 PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Nome de domínio – Endereço na Internet – Abstência do uso – Tutela antecipada – Deferimento – Existência de marca com registro no INPI – Proteção estabelecida no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição da República – Prevalência, ademais, sobre as deliberações do Comitê Gestor da Internet no Brasil – Recurso não provido – JTJ 248/325. __________________________________________________________________________________________________________________
MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA
Direito de proteção à marca notoriamente conhecida independe de registro no
Brasil
O conceito de
marca notoriamente conhecida não se confunde com marca de alto renome. Por
isso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o registro
de marca norte-americana com nome parecido a de empresa brasileira. O relator
do recurso, ministro Massami Uyeda, salientou que a marca norte-americana, por
ser notoriamente conhecida, goza de proteção especial independentemente de ter
registro no Brasil em seu ramo de atividade. Já a marca de alto renome tem
proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que previamente
registrada no Brasil e declarada pelo Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI).
A empresa brasileira Lima Roupas e Acessórios registrou a marca “Sketch” no INPI, em 1996. A marca é conhecida por comercializar produtos de vestuários, acessórios e calçados. Inicialmente, a empresa norte-americana teve o pedido de registro negado, por entender-se que a marca “Skechers” havia reproduzido ou imitado, em parte ou no todo, uma marca já registrada, o que poderia provocar confusão entre os consumidores. Porém, em 2003, após recurso administrativo, a marca “Skechers” foi registrada no INPI pela empresa Skechers USA INC II. Inconformada com a decisão, a empresa brasileira recorreu à 35ª Vara Federal do Rio de Janeiro, alegando que, com o registro da marca “Skechers”, o instituto teria violado direito líquido e certo de não haver outra marca reproduzindo ou imitando marca já existente. Disse que, com a coexistência da outra marca, a expansão sofreria prejuízos. A 35ª Vara considerou ilegal o registro da marca “Skechers” pelo INPI. O INPI e a Skechers USA não concordaram com a decisão e recorreram ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). O tribunal acolheu os recursos e considerou que o registro não era nulo. Explicou que a marca “Skechers” é conhecida mundialmente em seu ramo de atividades e goza da proteção estendida à marca notoriamente conhecida, que independe da territorialidade. Isso porque a legislação brasileira é clara ao entender que o conceito de marca notoriamente conhecida não se confunde com marca de alto renome. A marca notoriamente conhecida goza de proteção especial nos ramos que comercializa, independentemente de ter registro no Brasil. Já a de alto renome tem proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que tenha sido registrada previamente no Brasil. A empresa brasileira recorreu ao STJ, pedindo que a decisão do registro fosse anulada. Sustentou que, tanto do ponto de vista fonético quanto do ortográfico, as duas marcas eram muito parecidas, causando confusão entre os consumidores. Alegou ainda que a marca “Skechers” não deveria ser considerada como notoriamente conhecida. A Turma entendeu que a discussão sobre a notoriedade ou não da marca “Skechers” deve ser observada de acordo com a fixada pelo TRF2, já que qualquer decisão que contrarie a já fixada significa o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ. Quanto à possibilidade de confusão entre os consumidores, a Turma entendeu que as empresas atuam em ramos distintos. Enquanto a “Sketch” comercializa produtos de vestuário e acessórios, inclusive sapatos, a “Skechers” vende, especificamente, roupas e acessórios de uso comum e para prática de esportes. __________________________________________________________________________________________________________________
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2012.0000578404
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e
discutidos estes autos do Apelação nº 9094870- 06.2008.8.26.0000, da Comarca de
São Paulo, em que são apelantes DAVOX AUTOMOVEIS S/A e ITAVOX VEICULOS LTDA,
são apelados ITAVOX VEICULOS LTDA e DAVOX AUTOMOVEIS S/A.
ACORDAM, em 3ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "Deram provimento em parte ao recurso da autora e negaram
provimento ao da ré. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.
O julgamento teve a
participação dos Exmos. Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente) e BERETTA
DA SILVEIRA.
São Paulo, 30 de outubro
de 2012
JESUS LOFRANO
RELATOR
Apelante
e Apelados: Davox Automóveis S/A
Itavox
Veículos Ltda.
Comarca
de São Paulo
Voto
nº 22267
Ação de abstenção de uso
de marca Autora proprietária da marca “DAVOX”, que compõe seu nome empresarial.
Ré que depositou pedido de registro da marca “ITAVOX”, termo integrante de sua
razão social Empresas vinculadas ao mesmo ramo mercadológico. Termos que são semelhantes.
Abstenção do uso de marca e alteração do nome empresarial da ré. Cabimento
Danos materiais e morais. Inexistência. Prévia limitação da multa diária. Descabimento
- Recurso da autora provido em parte, improvido o da ré.
1.
Trata-se de apelações interpostas contra sentença em que a juíza julgou
parcialmente procedente ação de obrigação de não fazer cumulada com
indenizatória, “para condenar a ré a se abster da utilização da expressão 'VOX'
na composição de seu nome, em quaisquer meios de comunicação associados à
atividade comercial, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, até o limite de
trinta dias, quando será avaliada a ocorrência de perdas e danos”, reconhecida
a sucumbência recíproca.
Insurge-se
a autora, ora apelante, contra a sentença, pleiteando a condenação da ré por
danos materiais, bem como a alteração de sua razão social com nova incidência
de multa -, além do
afastamento
do limite da multa diária a trinta dias.
O
réu, por seu turno, pleiteou a reforma da sentença para que a demanda seja
julgada improcedente, além da condenação da autora na sucumbência, nos
honorários advocatícios e na pena por litigância de má-fé. Subsidiariamente,
requereu a redução da multa diária.
Os
recursos foram recebidos e processados.
2.
Cuida-se de ação de obrigação de não fazer cumulada com indenizatória em que a
autora pleiteia a abstenção da ré quanto ao uso da marca “ITAVOX”, devido à
semelhança auditiva e visual com sua marca, “DAVOX”, acarretando confusão entre
os consumidores.
Tal
utilização indevida gera concorrência desleal, razão pela qual requer a condenação
da ré a abster-se de utilizar a marca, a modificar sua razão social e a
indenizá-la por danos materiais, correspondentes a cinco por cento sobre a
venda dos produtos, além dos danos morais.
Na
contestação, a ré suscitou inépcia da inicial. Defendeu a utilização de seu
nome, por pertencer ao grupo ITAVEMA, do qual decorre o prefixo “ITA”, enquanto
a expressão “VOX” deriva da designação latina de voz. O termo “VOX” é
largamente utilizado em registros do INPI. Insurge-se contra o pedido de danos
materiais, pois a autora não comercializa mais veículos desde 10 de maio de
2005. Afasta a ocorrência de danos morais.
Como
bem decidiu a juíza, “inegavelmente a marca possui valor comercial,
refletindo parâmetro valorativo, desde que, através da utilização de
determinado nome é possível identificar a empresa, assim como, observar alguma
orientação quanto a possível idoneidade e produtos característicos
comercializados. No caso em tela, notoriamente a requerente utilizou o nome,
que possibilitava prévio conhecimento da venda de veículos da marca Volkswagen.
Conhecidamente, a autora era concessionária da marca de veículos, razão pela
qual os consumidores interessados no específico produto, por vezes, a
utilizavam para formulação de pesquisa ou mesmo compra. A concessionária se
estabeleceu na região de Santo Amaro por muitos anos e, de outro lado, a
empresa ré, também localizada na mesma região, veio a comercializar o mesmo
produto, ou seja, veículos da marca Volkswagen. Assim, as empresas têm como
semelhança a atividade comercial de venda de veículos, peças, acessórios da
marca Volkswagen, bem como a assistência técnica.
Portanto,
não pode prevalecer a tese da contestação sobre a existência de diversas marcas
que utilizam a expressão “VOX”, pois as empresas do feito têm como objetivo a
venda de igual produto, ainda que, nos termos da declaração de fls.
Ao
utilizar a mesma expressão, conjugada com a identidade do produto e representação
da marca Volkswagen, pretende a ré, evidentemente, lembrar a empresa autora
que, notoriamente, era representante oficial da marca na região
.
Inegável
a semelhança auditiva e visual das expressões “DAVOX” e “ITAVOX”, de sorte que
assiste razão à empresa requerente, devendo a ré se abster da utilização da
expressão “VOX” em quaisquer meios de comunicação (...) associados à
comercialização e representação da marca Volkswagen, sob pena de multa diária
de R$ 10.000,00. (...) as empresas atuam no mesmo ramo comercial e na mesma
região, se sorte que a ré pode induzir o consumidor sobre a unidade de um grupo
que não existe. (...) Todavia, no caso, verifica-se que a empresa ré iniciou
suas atividades em data posterior ao termo indicado a fls. 346, ou seja, o
contrato social da empresa ré registra alteração contratual em maio de 2006 e,
com exatidão, não há qualquer notícia sobre o início da representação comercial.
Por outro lado, o documento juntado a fls. 346 aponta como termo final para a
representação da marca Volkswagen pela autora o dia 10/05/2005. Assim, não se
constata o nexo de causalidade para a alegada concorrência desleal, ainda que
pela utilização da (...) expressão “VOX”, pois ao tempo da atividade comercial da
empresa ré, a empresa autora não mais tinha poderes de representação para a venda
da marca de veículos informada. (...) não há que se falar em danos materiais ou
mesmo danos morais, pois ainda que tenha se considerado a irregularidade na
utilização da expressão, não se aquilatou qualquer constrangimento suscetível
de indenização”.
O
artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça estabelece que nos
recursos em geral o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da
decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la.
O
Superior Tribunal de Justiça prestigia tal entendimento ao reconhecer a
viabilidade do órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na
sentença, inclusive transcrevendo-a no acórdão, sem que tal medida encerre
omissão ou ausência de fundamentação (REsp 66.272-RS, rel. Min. João Otávio de
Noronha, j. 04.09.2007).
Ressalte-se
que, ainda que a autora não tenha cessado suas atividades comerciais, inexistem
indícios de que tenha sofrido danos materiais e morais, razão pela qual a
hipótese era mesmo de
improcedência
desses pedidos.
No
que tange ao nome empresarial, porém, a Constituição Federal, no artigo 5º,
XXIX, garante sua proteção “tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
O
artigo 33 da Lei 8.934/1994 dispõe que “a proteção ao nome empresarial
decorre automaticamente do arquivamento dos atos constitutivos de firma
individual e de sociedades, ou de suas alterações”. O artigo 34 desse
diploma legal, por seu turno, estabelece que “o nome empresarial
obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade”.
No
mesmo sentido, o artigo 1.166 do Código Civil determina que “a inscrição do
empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as
respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo
do nome nos limites do respectivo Estado”.
Conforme
a lição de Fábio Ulhoa Coelho, “a formação do nome empresarial deve atender
a dois princípios: a veracidade e a novidade [...]. [...] O da novidade impede
a adoção de nome igual ou semelhante ao de outro empresário. Os dois parâmetros
se justificam, em última análise, na coibição de concorrência desleal e na
preservação da reputação dos empresários, junto aos seus fornecedores e
financiadores. Para cumprir satisfatoriamente a função de identificar o sujeito
de direito exercente de atividade econômica, o nome empresarial não pode dar
ensejo a confusões, e deve ser suficientemente distinto. [...] O
primeiro empresário que arquivar firma ou denominação, na Junta Comercial, tem
o direito de impedir que outro adote nome igual ou semelhante, já que isso
importaria desrespeito á novidade”1 (grifos meus).
É
incontroverso que a autora foi constituída antes da ré e que, além de ambas
terem sido abertas na Junta Comercial de São Paulo, atuam no mesmo ramo
mercadológico.
Por
outro lado, há de se considerar que o nome empresarial da ré não obedeceu ao
requisito da novidade, já que seu núcleo “ITAVOX” possui extrema semelhança com
o núcleo do nome da
autora
“DAVOX”.
Assim,
a ré deve modificar seu nome na Junta Comercial, sob pena de multa diária de R$
10.000,00.
No
mais, deve ser afastada, por ora, a limitação da multa a trinta dias,
admitindo-se ao juiz, se o caso, a oportuna redução de seu valor e/ou periodicidade,
consoante o artigo 461, §6º do Código de Processo Civil.
Por
fim, deixo de condenar a autora por litigância de má-fé, pois adotou postura
compatível com a defesa de um direito.
Diante
do exposto, dou parcial provimento ao recurso da autora para os citados fins,
improvido o da ré.
Jesus
Lofrano
relator
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USO INDEVIDO DE MARCA - INDENIZAÇÃO
Comercial - Propriedade industrial - Uso indevido da marca
- Indenização.
1 - A marca assume importante papel no campo do
direito da concorrência porque permite a seu titular que conquiste ou mantenha
certa clientela à qual visa. 2 - A proteção à exclusividade do uso da
marca relaciona-se com imperativos comerciais, não se concebendo que
investimentos na concepção, desenvolvimento de produtos, serviços ou marcas
sejam usurpados. 3 - A indenização pelo uso indevido da marca é
determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não
tivesse ocorrido (art. 208 da Lei de Propriedade Industrial). 4 - A
concorrência desleal é ilícito civil em que o concorrente tanto pode agir com a
consciência de que está praticando um ato contrário à concorrência correta
quanto pode agir de forma imprudente, sem adoção dos cuidados esperados de um
comerciante normal. 5 - O ressarcimento do dano material compreende as
perdas e danos devidos ao lesado que abrangem, além do que ele efetivamente
perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. Essa dicotomia compreende o dano
emergente, que é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial e o lucro
cessante, frustração da expectativa de lucro. 6 - Recurso conhecido e
não provido. Sentença mantida.
(TJDFT - 4ª T. Cível; ACi nº
2006.01.1.098326-0-DF; Rel. Des. Leila Arlanch; j. 1º/4/2009; v.u.)
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