sábado, 13 de julho de 2013

MENSAGEM SUBLIMINAR NA TEORIA DO NEGÓCIO JURÍDICO


MENSAGEM SUBLIMINAR NA TEORIA DO NEGÓCIO JURÍDICO
HENRIQUE SOARES PINHEIRO
Ex-estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Advogado – OAB/MG nº 119.492




RESUMO: O efeito das mensagens subliminares no comportamento humano, especialmente na manifestação de vontade, é tema bastante discutido entre vários ramos da psicologia e psiquiatria, não gozando, contudo, de grandes destaques nas ciências jurídicas. Sabe-se que tais mensagens podem influenciar as escolhas, atitudes e decisões dos indivíduos, atuando diretamente sobre o elemento essencial de validade nos negócios jurídicos, qual seja, a vontade livre e consciente. Sob esse prisma, o tema se mostrou oportuno e relevante, tendo em vista os questionamentos que poderiam ser construídos em torno da influência dessas mensagens na validade dos negócios jurídicos. De vertente jurídico-teórica, a metodologia de pesquisa firmou-se num enfoque transdisciplinar, restringindo-se ao uso de fontes secundárias formadas por doutrinas de vários ramos e ciências relativas ao assunto. Desse contexto, concluiu-se pela influência direta das mensagens subliminares na livre manifestação da vontade, não podendo, contudo, precisar sua correlação com a validade dos negócios jurídicos, notadamente, no sentido do seu enquadramento num dos vícios de consentimento prescritos pelo diploma civil. 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do negócio jurídico. 2.1. Autonomia da vontade nas relações jurídicas. 2.2.
Extensão conceitual de negócio jurídico: pressupostos de existência e validade. 2.3. Vícios do negócio jurídico. 3. Mensagem subliminar. 3.1. Conteúdo e extensão conceitual. 3.2. Casos polêmicos de mensagem subliminar. 3.3. Formas de atuação das mensagens subliminares. 4. Mensagem subliminar e negócio jurídico. 4.1. Propaganda subliminar. 4.2. Relação da mensagem subliminar com os vícios do consentimento. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.

1. Introdução

A presente pesquisa trata do estudo das mensagens subliminares e sua relação com a teoria do negócio jurídico. O que se pretende com o trabalho proposto é compreender a influência destas mensagens ocultas na livre manifestação de vontade dos seus receptores, relacionando-as com os vícios do consentimento. A própria escassez de um estudo mais aprofundado do tema pela doutrina brasileira justificou a pesquisa.

Partiu-se, em um primeiro momento, do conceito de que as mensagens subliminares são estímulos que nos são enviados de forma dissimulada, abaixo dos limites de nossa percepção consciente, mas capazes de influenciar nossas escolhas, atitudes e motivar a tomadas de decisões posteriores.

Partiu-se, também, da certeza de que o plano de existência do negócio jurídico tem como um dos seus pressupostos de validade a manifestação de vontade consciente e livremente declarada.

Assim, o objetivo geral deste trabalho é consubstanciar a influência das mensagens subliminares na livre manifestação de vontade dos indivíduos, elemento essencial do negócio jurídico.

Inicialmente, ressalta-se a importância da autonomia da vontade nas relações jurídicas, remontando a seus aspectos filosóficos, sociológicos e jurídicos, além de conceituar e delinear os elementos de existência e validade dos negócios jurídicos, destacando, ao final, os vícios de consentimento que os tornam anuláveis.

Após, trata-se das mensagens subliminares e de sua influência na autonomia da vontade, traçando suas formas de autuação e citando casos que demonstram o interesse do Direito pelo assunto.

Em seguida, ventila-se sobre o uso das mensagens subliminares na propaganda, relacionando-as com os vícios do consentimento previstos pelo Código Civil.

Concluiu-se que as mensagens subliminares apresentam-se como uma forma odiosa de deturpação da vontade dos indivíduos, maculando o consentimento na formação do negócio jurídico, mas que, entretanto, não se enquadram em nenhum dos vícios previstos pelo Código Civil. Indagou-se, ao final, se tais mensagens, por influenciarem a livre manifestação de vontade, pressuposto de validade do negócio jurídico, seriam consideradas vícios do consentimento e, outrossim, se o rol dos vícios expressos no novel diploma material civil seria taxativo.

2. Do negócio jurídico

2.1. Autonomia da vontade nas relações jurídicas

Para melhor compreender a relação das mensagens subliminares na teoria do negócio jurídico, torna-se mister, em um primeiro momento, abordar, ainda que de forma sumária, a autonomia da vontade nas relações jurídicas, mormente sob seu aspecto filosófico, sociológico e jurídico, já que tais mensagens influenciam diretamente na manifestação de vontade dos indivíduos.

O estudo da autonomia da vontade remonta aos gregos, identificando-se como manifestação da independência do homem, como ser racional, puramente instintivo (STRENGER, 2000, p. 33). A autonomia da vontade encontra seu fundamento na possibilidade de escolha da expressão intelectual, encontrando-se no mundo cultural.

No âmbito filosófico, destaca-se o pensamento de Aristóteles (apud KRETZ, 2005, p. 9) que, tratando da vontade, relaciona esta com a ação humana, dispondo que elas podem ser voluntárias (ações baseadas no poder da pessoa de praticar esta ação ou não) e involuntárias (ações sob compulsão ou ignorância). A vontade em Aristóteles está intimamente ligada à escolha, entendida como ato racional (não instintivo), que pressupõe o uso da razão e do pensamento, uma opção pelo bem ou pelo mal e, dessa forma, expressão da “excelência moral”.1

Marilena Chauí (1995, p. 360) informa que, para Aristóteles, a vontade é expressão da liberdade, isto é, na visão aristotélica, a liberdade é o princípio para optar entre alternativas possíveis, realizando-se como decisão e ato voluntário, sendo a liberdade concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou ser autodeterminada. A vontade possui como fundamento a sua própria expressão como liberdade e está ligada à escolha, entendida como ato racional, que, como dito, requer uso da razão e do pensamento.

De fato, conforme ressalta Strenger (1968, p. 6), “[...] a vontade é uma transfiguração dos nossos instintos pelas exigências do mundo objetivo que nos dá a capacidade de executar atos da razão”. 

Sob o aspecto sociológico, o homem é diferente dos demais seres, justamente porque é racional. Como corolário da sua razão, o homem é um ser dotado de vontade, sendo que esta se manifesta de acordo com estímulos que lhe são provocados. É nesta racionalidade que transparece a sua capacidade de demonstrar e expressar sua vontade na vida em sociedade e perante os seus semelhantes2.

Émile Durkheim (1983 apud KRETZ, 2005, p. 11) afirma que o homem fora da sociedade perderia o caráter de se determinar diferentemente dos outros animais, ou seja, não é homem senão porque vive em sociedade. Segundo o autor, “Retire do homem tudo quanto é de origem social, e só restará um animal, análogo aos outros animais”.

Destarte, percebe-se a importância do estudo da vontade dos indivíduos nas relações em sociedade. Juridicamente, a manifestação volitiva compreende um ato jurídico de vontade. O Código Civil brasileiro adota a categoria “fato jurídico” como geral, entendendo-a como sendo todo acontecimento capaz de produzir efeitos jurídicos.

Nas relações jurídicas, o agente se manifesta como entidade personificada juridicamente através de seu arbítrio, vale dizer, de sua capacidade de escolha que possui para fazer opções. Essa autonomia de 

Ver Aristóteles (1996, p. 154-155). 
Ver Kretz (2005, p. 11).

arbítrio ou de vontade é que irá reger e determinar o comportamento, a atuação e a manifestação do pensamento do indivíduo em sociedade (KRETZ, 2005, p. 16). A capacidade de escolha do indivíduo (o direito de ser possuidor de autonomia da vontade para fazer opções) está intimamente associada à idéia de liberdade.

Autonomia da vontade, pois, consiste no poder reconhecido aos particulares de auto-regulamentação dos seus interesses de autogoverno de sua esfera jurídica. “Significa tal princípio que os particulares podem, no domínio de sua convivência com outros sujeitos jurídicos privados, estabelecer a ordenação das respectivas relações jurídicas”. É o chamado “Poder de Livre Exercício dos seus direitos ou de livre gozo dos seus bens pelos particulares – isto é, a autonomia privada que se manifesta na ‘soberania do querer’ – no império da vontade – que caracteriza essencialmente o direito subjetivo” (MOTA PINTO, 1999 apud KRETZ, 2005, p. 115).

A partir dessa noção introdutória, resta clara a importância do estudo da vontade dos indivíduos e do poder de sua autonomia ou autodeterminação nas relações jurídicas, especialmente na concretização dos negócios jurídicos, tema que se estuda no tópico que segue.

2.2. Extensão conceitual de negócio jurídico: pressupostos de existência e de validade

Pesquisas científicas comprovam que as mensagens subliminares influenciam na livre manifestação de vontade dos seus receptores. Como a vontade é elemento essencial dos negócios jurídicos, sob esse prisma se mostra oportuna a análise do seu conteúdo e extensão conceitual, sem, contudo, esgotar a matéria.

A teoria do negócio jurídico, de origem alemã, remonta a séculos de estudos. Foi adotada pela Itália e posteriormente por outros países do mundo.

Tal clássica teoria foi sofrendo fortes transformações em sua forma, principalmente no que tange ao elemento vontade, sendo adaptada, em especial, pelo pensamento iluminista, com o condicionamento da manifestação volitiva por normas de ordem pública.

Seu estudo é de suma importância, porquanto é por meio do negócio jurídico que se dá vida às relações jurídicas tuteladas pelo direito.

No Brasil, os negócios jurídicos tiveram especial atenção com a inovação do Código Civil de 2002. Antes, porém, sob a denominação de ato jurídico, eles já eram estudados e aperfeiçoados por juristas renomados, dentre os quais, destaca-se Clóvis Bevilaqua (1953, p. 261), um dos autores do anteprojeto do Código Civil de 1916, segundo o qual o ato jurídico seria “tôda manifestação de vontade individual, a que a lei atribui o efeito de movimentar as relações jurídicas”, e San Tiago Dantas (1979, p. 258), para quem, relembrando De Ruggiero, “Ato jurídico seria toda declaração de vontade feita por um particular e dirigida a um fim protegido pela norma jurídica”. Ato jurídico, então, para os citados autores, deveria ser conforme a vontade e as normas do direito.

Duas teorias explicativas do negócio jurídico surgiram ao longo do tempo: a teoria da vontade e a teoria da declaração. Para a primeira, o elemento gerador dos defeitos jurídicos é a vontade real (vontade interna), sendo sua declaração a simples causa imediata do efeito perseguido. Já para a segunda, negase à intenção o caráter de vontade propriamente dito, sustentando que o elemento produtor dos efeitos jurídicos é a sua declaração, não importando a vontade real.

A par das duas teorias, conforme bem explica Pablo Stolze Gagliano (2007, p. 314),

[...] se o negócio jurídico, enquanto manifestação humana destinada a produzir fins
tutelados por lei, é fruto de um processo cognitivo que se inicia com a solicitação do
mundo exterior, passando pela fase de deliberação e formação da vontade,
culminando, ao final, com a declaração de vontade, parece que não há negar-se o fato
de que a vontade interna e a vontade declarada são faces da mesma moeda.

Conceitua-se negócio jurídico, na doutrina moderna, como sendo a manifestada vontade que procura produzir determinado efeito jurídico. Cuida-se de uma declaração de vontade que não apenas constitui um ato livre, mas pela qual o declarante procura uma relação jurídica entre várias possibilidades que oferece o universo jurídico.

Para Silvio de Salvo Venosa (2004, p. 379), “Quando existe por parte do homem a intenção específica de gerar efeitos jurídicos ao adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, estamos diante do negócio jurídico”.

Antônio Junqueira Azevedo (2000), no mesmo sentido, conceitua negócio jurídico dizendo ser todo fato jurídico consistente em declaração de vontade a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia, impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.

Negócio jurídico é, pois, a manifestação volitiva destinada a produzir efeitos jurídicos. Tem ele como elementos constitutivos os pressupostos de existência e validade, que se analisa sumariamente nos tópicos que seguem.

No plano existencial, encontram-se os chamados elementos constitutivos gerais do negócio jurídico, sem os quais não haveria que se falar em negócio. São eles: a manifestação de vontade, o agente emissor, o objeto e a forma.

A manifestação de vontade ou declaração de vontade é seu elemento essencial. Constitui sua própria existência, já que, quando não manifestada, não tem nenhuma influência no mundo jurídico. Pode ser expressa ou tácita, verbal ou escrita, ou mesmo dar-se por gestos ou atitudes, não importando a forma de exteriorização, contanto que demonstre vontade.

Como segundo elemento constitutivo do negócio jurídico, tem-se o agente emissor da vontade. Afinal, não há que se falar em ato se não existir sujeito. É imprescindível para a sua configuração existencial a participação do agente de direito, seja pessoa física ou jurídica.

O negócio jurídico também pressupõe objeto, que nada mais é senão a utilidade física ou ideal onde gira o interesse das partes. Assim, por exemplo, se as partes querem celebrar um contrato mútuo, a manifestação de vontade deverá recair sobre uma coisa fungível, sem a qual o negócio não existirá.

Como último elemento constitutivo, temos a forma, que é o tipo de manifestação pela qual a vontade chega ao mundo exterior (escrita, oral, silêncio ou sinais).

No mais, não basta que o negócio jurídico exista, é preciso que seja válido. Passa-se, então, a analisar os pressupostos de validade.

Para que decorra aquisição, modificação e extinção de direitos, conforme mencionado, é necessário que o negócio jurídico respeite alguns requisitos e, nesse passo, seja considerado válido.

Conforme dispõe San Tiago Dantas (1979, p. 269),

[...] os atos jurídicos determinam a aquisição, modificação ou extinção de direitos. Para
que, porém, produzam efeito, é indispensável que reúnam certo número de requisitos
que costumamos apresentar como os de sua validade. Se o ato possui tais requisitos, é
válido e dele decorre a aquisição, modificação e extinção de direitos prevista pelo
agente. Se, porém, falta-lhe um desses requisitos, o ato é inválido, não produz o efeito
jurídico em questão e é nulo.

O Código Civil brasileiro enumera, especialmente em seu art. 104, os pressupostos legais de validade do negócio jurídico como sendo: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2007, p. 332), tal elenco, embora divulgado pela doutrina sob a denominação de pressupostos de validade do negócio jurídico, não reflete a amplitude teórica do plano de validade do negócio jurídico.

Os pressupostos de validade propriamente ditos são: a manifestação de vontade livre e de boa-fé; o agente emissor da vontade capaz e legitimado para o negócio; o objeto lícito, possível e determinado ou determinável e a forma adequada (livre ou legalmente prescrita).

Como primeiro pressuposto de validade, tem-se a manifestação ou declaração de vontade, que há de ser livre e não estar impregnada de má-fé. Os vícios do negócio jurídico, previstos pelo Código Civil em vigor, atacam a liberdade de manifestação de vontade ou a boa-fé, fazendo com que o ordenamento jurídico reaja, cominando pena de nulidade ou anulabilidade para os negócios portadores destes vícios.

Vejam que dois princípios devem convergir para que se possa reconhecer como válida a manifestação de vontade: o princípio da autonomia privada e o princípio da boa-fé.

Segundo Giselda Hironaka (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 333), “A autonomia privada,

conceito umbilicalmente ligado à noção de liberdade negocial, é a pedra de toque de toda a teoria do negócio jurídico. Traduz a liberdade de atuação do indivíduo no comércio jurídico, respeitados ditames mínimos de convivência social e moralidade média”.

Uma coisa é indiscutível: a declaração deve conter a livre manifestação da vontade humana. Com efeito, é aqui se insere a relevância do estudo das mensagens subliminares, que, por atuarem em níveis imperceptíveis conscientemente pelo indivíduo, acabam por macular a sua manifestação de vontade livre e a boa-fé, elemento de validade do negócio jurídico.

Conforme bem ensina San Tiago Dantas (1979, p. 258),

[...] deve-se saber que a vontade tem uma manifestação e que, por conseguinte, nela
se pode distinguir dois momentos, o momento da vontade propriamente dita, i.e., da
vontade tal qual como ela se apresenta na consciência do agente, e o momento da
declaração da vontade, i.e., a expressão que o agente dá ao seu modo de sentir.
Sabe-se que a autonomia privada, então, deve ser livre, o que não significa dizer que deva ser irrestrita.
No plano do Direito Constitucional, várias normas traduzem limitação ao exercício da autonomia privada e
da livre iniciativa, em diversos setores. Podemos citar, a título de exemplo, o consagrado direito de
propriedade, que se vincula à sua função social. Toda autonomia de vontade sofre, pois, como dito,
limitações.

André Pinto da Rocha Osório Gondinho citado por Roberta Mauro (2001, p. 242) afirma que “A atuação da autonomia da vontade não pode mais ser considerada irrestrita, devendo respeitar o ordenamento e seus princípios tutelares, seja no âmbito das situações subjetivas reais, ou mesmo nas relações obrigacionais”.

É preciso ver, entretanto, que todas essas limitações não significam a aniquilação da autonomia privada, mas sim um abrandamento, um limite à sua atuação.

Nesse ínterim, como apontado, a boa-fé surge como preceito ético informador da validade da vontade negocial. Não se está falando aqui só da boa-fé subjetiva (crença interna), pois esta não basta para se reconhecer a plena validade da manifestação volitiva, mas também da objetiva.

Ninguém consente, se não reforçar a expectativa de que a outra parte, não só quando da conclusão do negócio mas durante toda a sua execução, atuará conforme se espera de um homem prudente, diligente e probo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 336), configurando a boa-fé objetiva.

O novel diploma legal civil vigente cuidou de dispensar especial atenção e tratamento à boa-fé objetiva como cláusula geral, em seu art. 442: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. (BRASIL, 2009a).

Como segundo pressuposto de validade, temos o agente emissor da vontade capaz e legitimado para o negócio jurídico. Desde que seja plenamente capaz, poderá a pessoa física ou jurídica praticar atos e celebrar negócios em geral, na órbita jurídica.

O Código Civil de 2002 dispôs expressamente, como pressuposto válido ao negócio jurídico, a capacidade do agente, em seu art. 104: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz”.

Atente-se para o fato de que não basta somente a capacidade do agente mas também a legitimidade para a prática de um ato específico, para que seja conferida validade ao negócio.

Nesse sentido, o Professor Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 210) leciona, dizendo:

Mas, além das incapacidades genéricas, a lei prevê ainda motivos específicos, que
obstam a que o agente, sem quebra de sua capacidade civil, realize determinados
negócios jurídicos. A fim de não colidirem tais restrições com a teoria das
incapacidades, é preferível designá-las como impedimentos.

Avançando no plano de validade, verifica-se a necessidade de o objeto do negócio jurídico ser lícito, possível e determinado ou determinável.

A licitude e possibilidade jurídica trazem a idéia de que o objeto está dentro dos limites legais, atento ao campo da permissibilidade normativa.

Beviláqua (1953, p. 263), sobre o tema, já alertava:

A declaração da vontade deve ser conforme aos fins éticos do direito, que não pode
dar apoio a institutos imorais, cercar de garantias combinações contrárias aos seus
preceitos fundamentais. O ato jurídico há de ser lícito por definição (art. 81).
Conseqüentemente, se o objeto do ato fôr ofensivo da moral ou das leis de origem
pública, o direito não lhe reconhece validade.

Em outras palavras, o objeto deve ser idôneo, não podendo ser proibido pelo direito e pela moral. Não se admite, como por exemplo, que um particular transacione por contrato de compra e venda um objeto que seja bem de uso comum do povo (uma praça, por exemplo), pois, nesse caso, o negócio seria maculado de nulidade pela impossibilidade jurídica (ilicitude) de seu objeto.

No que diz respeito, ainda, ao objeto, deve ele ser determinado ou determinável, sob pena de prejudicar a validade ou mesmo a execução da avença. Todo objeto, pois, deve conter o mínimo de elementos que o individualizem e permitam caracterizá-lo.

Por fim, para que o negócio seja válido, deve ele conter forma adequada ou dela revestir-se (prescrita ou não defesa em lei). Em outras palavras, como último pressuposto de validade do negócio jurídico, tem-se a forma, que não deve ser confundida, enquanto elemento de existência do negócio jurídico, com a sua adequação, pressuposto de validade.

Conforme alertam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2007, p. 344), no plano de existência, a forma, entendida como meio de exteriorização da vontade, é elemento constitutivo ou pressuposto existencial do ato, uma vez que não elide a formação do próprio negócio. Diferente é a hipótese de a legislação estabelecer um determinado tipo de forma para que o ato seja válido. Nesse caso, havendo desrespeito à lei, o negócio jurídico existirá, mas será fulminado de nulidade, por ser inválido.

Ultrapassados os pressupostos de existência e validade, passa-se ao estudo dos vícios ou defeitos do
negócio jurídico, especialmente dos chamados vícios do consentimento, que, assim como as mensagens
subliminares, geram máculas na livre manifestação de vontade.

2.3. Vícios do negócio jurídico

“A vontade é a mola propulsora dos atos e dos negócios jurídicos” (VENOSA, 2004, p. 434). Essa vontade deve ser expressada de forma idônea para que o ato tenha vida normal no universo negocial. Se a vontade não corresponder ao desejo do agente, o negócio jurídico pode estar sujeito a nulidade ou anulação.

Quando a vontade não se manifesta ou mesmo quando é absolutamente elidida, não há tampouco que se falar em negócio jurídico, pois ele é inexistente ou nulo, por lhe faltar requisito essencial. Quando a vontade é manifestada, mas com vício ou defeito que a torne mal externada, há, num primeiro momento, o negócio jurídico anulável.

Os vícios do negócio jurídico são defeitos que impedem que a vontade seja declarada livre e de boa-fé, o que acaba prejudicando a validade do negócio jurídico. Trata-se de defeitos dos negócios, que se classificam em vícios de consentimento – aqueles cuja vontade não é expressa de maneira absolutamente livre – e vícios sociais – aqueles em que a vontade expressada não tem, de fato, a intenção pura e a boa-fé necessária.

Os vícios do negócio jurídico, então, seguindo a sistemática do Código Civil de 2002, são divididos em duas modalidades: vícios do consentimento e vícios sociais. Os do consentimento são o erro, o dolo, a coação, a lesão e o estado de perigo. Tais vícios afetam a vontade intrínseca do agente e a manifestação de vontade é maculada. Os vícios sociais são a simulação e a fraude contra credores, que, por guardarem pouca relação com o tema em discussão, não serão estudados.

Como primeiro dos vícios do consentimento, tem-se o erro. O atual Código Civil equiparou os efeitos do erro aos da ignorância.

O erro apresenta-se mediante manifestação psíquica errada da realidade, isto é, o sujeito não interpreta corretamente um fato, caindo em erro. É a forma de representação psíquica desacertada, contrária à verdade. Cuida-se, na verdade, do desconhecimento de um fato que leva o agente a emitir sua vontade de modo diverso do que a manifestaria se tivesse conhecimento exato daquele fato.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 356), “Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede em erro”.

O erro só é considerado causa de anulabilidade do negócio jurídico se for essencial e escusável. Conforme prescreve o Código Civil: “Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.

Substancial é o erro que incide sobre dado essencial do ato praticado, sem o qual não teria se concretizado. Cita-se, como exemplo, o caso de uma pessoa que, querendo comprar um relógio de ouro, compra um de metal dourado. Houve erro no elemento essencial do negócio.

O novo Diploma Civil, mormente em seu art. 139, enumera as seguintes hipóteses de erro essencial (substancial): a) quando interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração ou a alguma das qualidades a ele essenciais; b) quando concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído de modo relevante; c) sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for motivo único ou principal do negócio jurídico.

O erro, para se tornar invalidante, tem de ser, ainda, escusável, ou seja, desculpável, dentro dos padrões que se espera do homem médio, de prudência normal. No caso do exemplo citado, é escusável o erro, para alguém que não tem experiência no ramo de jóias, de comprar uma cópia fiel de relógio de ouro, mas não o é, por exemplo, para um ourives, especialista em tal comércio.

Destaca-se que o erro facilmente perceptível não anula o negócio jurídico, justamente para não trazer grande instabilidade às relações jurídicas (art. 138, CC/2002).

Outro vício do consentimento é o dolo. Nada mais é senão o erro provocado por terceiro e não pelo próprio sujeito enganado. A diferença entre erro e dolo está no fato de que o erro decorre de equívoco da própria pessoa, que se engana sozinha, enquanto o dolo é o erro provocado na pessoa pela outra parte do negócio. Em suma, o erro é espontâneo e o dolo é provocado.

Clóvis Beviláqua (1953, p. 273) define o dolo como sendo “[...] o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro”.

A doutrina, no entanto, tem dispensado a prova do efetivo prejuízo para a caracterização do dolo. Na lição de Carvalho Santos citado por Gagliano e Pamplona Filho (2007, p. 353):

A melhor doutrina, parece-nos, afasta do conceito do dolo qualquer exigência do
prejuízo que venha a sofrer o indivíduo enganado. Basta que o artifício tenha sido
empregado para induzir a pessoa a efetuar um negócio jurídico, o que não seria
conseguido, na convicção do agente do dolo, de outra maneira. O que se visa, afinal,
não é um prejuízo, mas sim obter para si ou para outrem certa vantagem que, aliás,
pode algumas vezes não redundar em prejuízo ou dano à pessoa iludida.

O dolo que sujeita o negócio à anulação é o chamado dolo principal, e não o dolus bonus, aquele em que um dos contratantes ressalta excessivamente as qualidades do produto ou serviço. Este dolo é tolerado, ao contrário do primeiro, porque o destinatário já o espera por parte do outro contratante.

Para Eduardo Espínola (apud MONTEIRO, 2000, p. 2006), são três os elementos que tornam o dolo principal vício de consentimento: a finalidade de levar o declarante a praticar um ato jurídico; a gravidade do artifício fraudulento utilizado e o artifício como causa da declaração de vontade.

Washington de Barros Monteiro e Serpa Lopes citados por Venosa (2004, p. 458) enumeram os requisitos do dolo baseados em Espínola como sendo: a) que haja intenção de induzir o declarante a praticar o negócio jurídico; b) que ocorra a utilização de recursos fraudulentos graves; c) que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração de vontade; d) que os procedam do outro contratante ou sejam por este conhecido como procedentes de terceiros.

Quando se fala, ainda, em dolo, mormente quanto à atuação do agente, ele poderá ser positivo ou negativo. O primeiro decorre de uma atuação comissiva (v.g., o vendedor que engana o adquirente quanto à natureza de um produto). O segundo é fruto de uma omissão, como é o caso do silêncio intencional de umas das partes, levando um dos agentes a praticar o negócio diverso do que pretendia.

Outro vício do consentimento de suma importância é a coação. Segundo Francisco Amaral (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 356), a coação é a ameaça com que se constrange alguém à prática de um ato jurídico. Para o autor, “A coação não é, em si, um vício da vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação do querer do agente. Configurando-se todos os seus requisitos legais, é causa da anulabilidade do negócio jurídico”.

Enquanto o dolo se apresenta pelo uso do ardil, da malícia, a coação remonta à violência, seja ela física (vis absoluta) ou moral (vis compulsiva).

A coação física é a que age diretamente sobre a base corporal da vítima. A doutrina tem entendido que esse tipo de coação neutraliza de forma completa a manifestação de vontade do agente emissor, tornando o negócio jurídico inexistente e não simplesmente anulável.

A coação moral, lado outro, é a que incute no agente um temor constante e capaz de perturbá-lo, a ponto de ele manifestar seu consentimento de maneira deturpada. Nesse caso, o agente tem a oportunidade de escolher se pratica ou não o ato, caso em que, praticando-o sob ameaça, por estar a vontade turbada, o negócio é inválido (anulabilidade).

Em resumo, podem-se apontar os seguintes requisitos para a caracterização da coação: violência psicológica; declaração de vontade viciada; receio sério e fundado de grave dano à sua pessoa ou a pessoas próximas ou aos seus bens.

O Código Civil de 2002, aumentando o rol de vícios do consentimento, codificou o instituto da lesão e do estado de perigo.

Conceitua-se lesão como sendo o prejuízo conseqüente da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes.

Já o estado de perigo é um defeito do negócio jurídico que se assemelha ao estado de necessidade no direito penal. Configura-se quando o agente, diante de uma situação perigo – conhecida pela outra parte do negócio –, manifesta vontade para garantir um direito seu, ou de pessoa próxima, assumindo obrigação extremamente onerosa.

O estado de perigo não se confunde com a lesão. Aquele remonta a uma situação em que o declarante, para salvaguardar direito seu o de outrem – próximo – celebra um negócio jurídico, assumindo obrigação por demais onerosa. A lesão, por sua vez, traduz situação em que o contratante, por razões econômicas ou por inexperiência, é levado a contratar, de forma que seja prejudicado.

Em ambos os casos, é preciso lembrar, aplica-se o disposto no artigo 157, §2º, do Código Civil, que informa que “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

Aqui se encerram os vícios do consentimento, sendo a simulação e a fraude contra credores vícios sociais, que não atingem a livre manifestação de vontade dos agentes, não guardando, nessa alheta, relação com a matéria e, por isso, sem abordagem no presente trabalho.

3. Mensagem subliminar

3.1. Conteúdo e extensão conceitual

As mensagens subliminares vêm sendo analisadas desde o século passado por estudiosos de vários ramos da ciência, objetivando a comprovação dos seus efeitos no comportamento humano.

A psicologia apresenta o primeiro conceito de mensagem subliminar ao defini-la como sendo qualquer estímulo abaixo das barreiras do consciente que, não obstante, produz efeitos significativos na atividade psíquica.

Etimologicamente, a origem da palavra subliminar vem da fusão das palavras latinas “sub” (abaixo de) e “limen” (limiar), ou seja, aquilo que passa abaixo ou não passa do limiar da consciência. Flávio Mário de Alcântara Calazans (2006, p. 17), ícone no estudo das mensagens subliminares no Brasil, informa que são elas:

[...] as mensagens que nos são enviadas dissimuladamente, ocultas, abaixo dos limites
de nossa percepção consciente e que vão influenciar nossas escolhas, atitudes,
motivar as tomadas de decisões posteriores; entram na mente de contrabando, como
um vírus de computador que fica inerte, latente, ativado só na hora certa.

Wilson Bryan Key (1974), no entanto, dispõe que as primeiras referências à percepção subliminar remontam ao tempo de Demócrito (400 a.C), quando este afirmava que “Nem tudo o que é perceptível pode ser claramente percebido”.

Entre vários exemplos, segundo Calazans (2006, p. 32), Key (1974) cita Montaigne em 1580 e Leibniz em 1968, que afirmavam existirem “[...] inumeráveis percepções praticamente inadvertidas, mas que se tornam óbvias por meio de suas conseqüências”, e Poetzle, que em 1919 teria feito uma das primeiras descobertas cientificamente comprovadas sobre a estrutura da percepção subliminar, formulando a “Lei de Exclusão”. Para Poetzle, um estímulo captado conscientemente não se manifesta nos sonhos subseqüentes, isto é, o conteúdo dos sonhos consiste nas informações percebidas subliminarmente. Todos os dados excluídos da percepção consciente são gravados subliminarmente, sendo este o material processado nos sonhos.

A equipe de Poetzle documentou que os olhos realizam cerca de mil fixações diariamente, sendo que apenas uma ínfima porcentagem desses focos se fixa conscientemente. O restante é subliminar.

Embora os estudos sobre as mensagens subliminares remonte a séculos de estudos, foi no século passado que eles se tornaram públicos quando, em 10 de junho de 1956, o correspondente em Nova York do jornal “Sunday Times”, de Londres, publicou uma matéria com o título “Sales through the subconscious – invisible advertisement”, informando superficialmente os efeitos subliminares que certos anunciantes experimentavam em meados de 1956 em um cinema de Nova Jersey, insinuando que uma mensagem de venda estaria nas telas onde os receptores não poderiam percebê-la conscientemente.

Com o passar dos anos, mormente com o aumento dos estudos das mensagens subliminares e com a prova dos efeitos que elas produziam nos seus receptores, o número de casos com seu uso para influenciar a livre manifestação de vontade dos indivíduos aumentou, tendo o Direito demonstrado interesse pelo tema.

3.2. Casos polêmicos de mensagem subliminar

A matéria que alhures se fez menção versava sobre o famoso caso de uso de mensagem subliminar, ocorrido em uma sessão de cinema, em junho 1956, onde a firma de Jim Vicary, Subliminal Projection Company, fez uso do taquicoscópio em Fort Lee, Nova Jersey, Estados Unidos, projetando a cada cinco segundos sobre o filme “Picnic” a frase “Beba Coca-Cola” e “Coma Pipoca”, a uma velocidade de 1/3.000 de segundo por vez. O slide era projetado sobreposto ao filme, rápido demais para ser percebido conscientemente, mas a repetição do sinal subliminar causava efeitos no subconsciente do público, aumentando a venda de refrigerantes e pipocas nos intervalos. Calazans (2006, p. 26) diz que, segundo a revista Advertising Age, o experimento de Vicary teria aumentado em 57,7% as vendas de Coca-Cola e 18,10% de pipoca naquele local.

Recentemente, porém, notadamente na última eleição para presidente dos Estados Unidos, noticiou-se o famoso caso de mensagem subliminar com fins eleitoreiros, quando o então presidente Jorge W. Busch, através do seu partido, fazendo propaganda contra candidato do partido Burocratas, veiculou uma mensagem subliminar onde, em uma velocidade acelerada, destacava-se, em meio a frase “Tehe Gore Prescription Plan: Bureaucrats Decidis”, a palavra RATS, incutindo no inconsciente dos eleitores que o candidato da oposição era um rato. Segundo Osmar Freitas (apud CALAZANS, 2006, p. 70), correspondente em Nova York da revista Isto É, “[...] caracterizava-se, assim, um dos mais clamorosos exemplos de propaganda subliminar jamais descobertos”.

Outro caso foi o da empresa de cigarros FREE, que foi a primeira no Brasil a ter seu comercial retirado do ar por uso de mensagens subliminares (ação movida pela Promotoria de Defesa do Consumidor de Brasília – Inquérito Civil nº 1/2000). Ao decompor o anúncio quadro a quadro, os psicólogos encontraram o que consideram ser propaganda subliminar. Um laudo do Instituto de Medicina Legal do Distrito Federal, no qual três psicólogos analisam o comercial do FREE, confirmou a existência de mensagens subliminares, sendo canceladas 240 veiculações do comercial. Por três décimos de segundo, digo, em uma fração de tempo imperceptível aos olhos humanos, aparece uma menina fumando (CALAZANS, 2006, p. 70).

Calazans (2006, p. 72) conta que a emissora MTV também foi condenada a pagar danos morais difusos de, no mínimo, R$ 1 (um real) a cada um dos 7,4 milhões de pessoas que assistiram a um clipe que possuía mensagens subliminares de cenas de sadomasoquismo. Os promotores de justiça destacaram os “danos irreparáveis” que podem ser causados a toda coletividade, principalmente ao público jovem, de 15 a 20 anos, alvo da emissora. Durante o clipe, em frações rápidas demais para serem vistas a olho nu, aparecem mais de 100 fotos de mulheres e crianças nuas em cenas de sadomasoquismo, inclusive cenas de pedofilia.

As mensagens subliminares também chegaram aos desenhos da Disney. Em 1999, segundo o jornal a Folha de São Paulo, foi encontrado no desenho Bernardo e Bianca uma mulher com os seios nus em uma das janelas por onde os “ratinhos” passavam em dado momento do filme. A cena acontece aos 28 minutos e é imperceptível sem que se analise quadro a quadro. A Disney admitiu ter encontrado imagens subliminares nesta animação, sendo obrigada a recolher 3,4 milhões de fita em locadoras de vídeo só nos Estados Unidos, como diz Calazans, referindo-se a informações retiradas de A Folha de São Paulo (2006, p. 71).

Numerosos artigos de psicologia experimental continuam sendo publicados até hoje em todo mundo, pesquisando a tecnologia de projeção subliminar taquiscocópica. A quantidade evidencia a validade e a importância científica do subliminar, demonstrando, nesse passo, que o Direito se interessa pela mensagem subliminar.

Países como Estados Unidos e Espanha já proíbem em suas legislações consumeristas o uso das mensagens subliminares. Para o Direito brasileiro, em especial para o Código de Defesa do Consumidor, já existe um projeto de lei – Projeto de Lei nº 5.047/2001, de autoria do ex-deputado federal João Herrmann Neto – que acrescenta o art. 37-A à Lei nº 8.069/90, vedando expressamente o uso da sensibilização subliminar na propaganda comercial veiculada às emissoras de radiodifusão de sons e imagens, nos canais de televisão por assinatura e em salas destinadas à exibição de filmes, tipificando, inclusive, o uso da mensagem subliminar, no art. 69-A, do mesmo diploma legal, como crime contra as relações de consumo (BRASIL, 2009b). No Direito Eleitoral, também é vedada a propaganda eleitoral subliminar.

3.3. Formas de atuação das mensagens subliminares

De fato, existem várias formas de mensagens subliminares capazes de atuar no subconsciente humano; as mais comuns, porém, remontam a percepções visuais, que entram em nossas mentes, sem dar-nos chance de defesa.

Leonel Bellenger (apud CALAZANS, 2006, p. 41) explica que nós recebemos múltiplas mensagens durante todo tempo e nossa atenção seletiva filtra e focaliza em um único canal sensório, deixando todo o resto subliminar.

Jacob Bazarian (apud CALAZANS, 2006, p. 40) diz que tais informações entram na mente “de contrabando” e se depositam na memória subliminar ou subconsciente.

Carl Gustav Jung, explicando o tema sob o conceito da psicologia analítica, compara a consciência a um holofote que pode ser dirigido a em uma área de interesse, deixando na sombra subliminar todo o mundo de informações não focalizadas. Segundo o autor, os pensamentos e idéias não iluminados, esquecidos, não deixam de existir; encontram-se em um estado latente, adormecidos em um estado subliminar, além do limite da atenção consciente ou da memória, o que não impede que a qualquer momento possam surgir espontaneamente. Afirma que o inconsciente contém todas as impressões subliminares sem energia para alcançar a superfície da consciência. Segundo ele, “O inconsciente dispõe de percepções subliminares cujo espectro e extensão toca os raios do maravilhoso”. Também dispõe que “As rápidas intuições que deram nossas decisões seriam fruto de conteúdos subliminares”. Nesse passo, toda informação não focalizada com interesse seria um ruído subliminar acumulado na sombra do inconsciente pessoal, alimentando as intuições (apud CALAZANS, 2006, p. 40-41).

Nilson Bryan Key (apud CALAZANS, 2006, p. 21) aborda a morfologia celular do olho humano, apresentando a fóvea, parte central do olho, do tamanho de uma cabeça de alfinete, composta pelas células cones, como foco da visão inconsciente. Para Key, a enorme quantidade de informação subliminar que entra na visão periférica de contrabando é que será o conteúdo dos sonhos, como já explicava Poetzle.

Flávio Calazans (2006, p. 49) propõe uma fórmula esquemática para explicar as mensagens subliminares. Para ele, o subliminar estaria na maior quantidade de informação em menor tempo de exposição. O excedente de informações seria passivamente assimilado pelo inconsciente pessoal ou subconsciente, sendo que a saturação subliminar seria resultante da falta de tempo para pensar nas imagens.

Assim, toda informação não focalizada com interesse seria um fundo indiferente, um ruído subliminar acumulado sobre o inconsciente pessoal, alimentando as intuições.

Luiz Eugênio de A. M. Mello, professor de neurofisiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que:

Com base em estímulos visuais subliminares, um dos pioneiros na área, Howard
Shevrin, indicou, há quase 30 anos, possíveis bases para os conceitos freudianos de
consciente e inconsciente. Nesses estudos, pessoas com medo de falar em público
eram sublinarmente expostas a palavras associadas a esses medos. Por exemplo, um
estudante com medo por não querer parecer desrespeitoso era exposto às palavras
‘rebelde’ e ‘selvagem’ [...] é fascinante que um estímulo subliminar, tênue seja
processado mais rapidamente que um duradouro e intenso. Ainda mais fascinante é o
fato de podermos ter memória desses eventos. Essa forma de memória inconsciente,
também conhecida por efeito de mera exposição (do inglês mere exposure effect),
representa a capacidade de eventos subliminares anteriores influenciarem uma
decisão. Em estudo publicado no journal of Neuroscience (15. jun. 1998), Rebecca
Elliot e Raymond Dolan, usando temografia por emissão de pósitrons (PET, uma
técnica que permite ‘ver’ o cérebro em funcionamento), demonstraram uma ativação do
córtex pré-frontal lateral direito associada a essa forma de memória implícita. (apud
CALAZANS, 2006, p. 50).

Pesquisas posteriores ao experimento de Vicary comprovaram, além do uso taquiscoscópico, a existência de novas técnicas subliminares, como, por exemplo, a engenharia sonora subliminar e as texturas, também capazes de influenciar no comportamento humano. Todas, de algum modo, atingem níveis tão baixos, que são imperceptíveis aos órgãos sensoriais; mas todas, sem exceção, influenciam no comportamento humano e, conseqüentemente, são capazes de influir nos negócios jurídicos, cuja base é a vontade livre e de boa-fé.

4. Mensagem subliminar e negócio jurídico

4.1. Propaganda subliminar

Considerando o uso das mensagens subliminares na propaganda como meio rápido de atingir os receptores/consumidores, justifica-se uma abordagem sobre o seu conceito.

Propaganda é toda forma de comunicação voltada a público determinado ou indeterminado que, empreendida por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, tenha por finalidade a propagação de idéias relacionadas à filosofia, à política, à economia, à ciência, à religião, à arte ou à sociedade (NUNES JÚNIOR, 2001, p. 16).

Segundo Flávio Calazans (2006, p. 24), o termo propaganda tem origem etimológica na palavra latina pangere, ou seja, plantar. Todo ato de comunicação visual visa, assim, plantar uma mensagem no receptor, na forma de propaganda (publicidade) ou propaganda ideológica, política ou eleitoral.

Essas formas de comunicação (mensagens) são transportadas pelas mídias (meios de comunicação em massa) que veiculam as mensagens, dissimuladas dentro da programação ou explicitamente, no espaço dos anunciantes ou patrocinadores. Segundo Calazans (2006, p. 24), todo um mundo de vida é comunicado subliminarmente, tal qual uma neblina, suave e dissimulada, bombardeando o consumidor de mensagens por todos os canais sensórios, sinestesicamente, em todas as mídias (jornais, revistas, cinema, televisão). Essas mensagens, segundo o autor, que paulatinamente levam à adesão, inconscientemente reforçando a cognição consciente gerada pela campanha publicitária tradicional, constituem a propaganda subliminar, que ele mesmo denominou de propaganda subliminar multimídia.

Adalberto Pasqualotto (apud RESENDE, 2008), entre outros, afirma que é em tais condutas abusivas, tendo em vista a impossibilidade de prevê-las totalmente, que se enquadra a publicidade ou propaganda subliminar. Para eles, a publicidade ou propaganda estaria usando de mensagens subliminares para inserir um produto, manipulando o consumidor com estímulos de baixíssimo nível de percepção, que ainda que não se possam identificar, seu subconsciente absorve e assimila a informação sem nenhuma barreira consciente.

Ainda, segundo Pasqualotto “Os estímulos seriam tão fracos ou de duração tão efêmera, que escapariam à percepção da consciência, mas suficientemente poderosos para influenciar no comportamento” (apud RESENDE, 2008).

Atualmente, a maioria das pessoas ainda considera a mensagem subliminar como sendo “lenda urbana”, o que não se justifica por nenhum fundamento técnico ou científico. Mas Flávio Calazans (2006, p. 236) nos alerta:

Pode parecer paranóia, mas as dúzias de autores citados indicam o contrário. Sérias
pesquisas de grande porte, patrocinadas por multinacionais com verbas absurdas e
alta tecnologia empregada, também são um sinal da importância dada aos
subliminares. Tantas dissertações de mestrado e teses de doutorado apontam a
validade científica dessa linha de pesquisa, já secular nas universidades européias e
norte-americanas [...]; tanta gente assim não pode estar errada por séculos.

Observa-se que a tecnologia subliminar aplica-se às mídias mais variadas possíveis, tais como jornais, revistas, cinema, televisão e internet. Podem-se embutir imagens dentro de imagens, desenhos, filmes e hologramas, o que comprova ser adequado denominar as mensagens subliminares utilizadas na propaganda de “Propaganda Subliminar Multimídia” (CALAZANS, 2006, p. 236).

Vejam que a livre manifestação de vontade dos indivíduos é maculada pelas mensagens subliminares, sendo tais, hodiernamente, com o avanço da tecnologia, muito utilizadas na propaganda ou publicidade como forma de influenciar na formação dos negócios jurídicos.

Pertinente, portanto, traçar a relação das mensagens subliminares com os vícios do consentimento, em que a vontade é deturpada de alguma forma.

4.2. Relação da mensagem subliminar com os vícios do consentimento

Vimos que, para que o negócio jurídico exista, deve haver vontade. Conforme bem aponta Venosa (2004, p. 434), “A vontade é a mola propulsora dos atos e dos negócios jurídicos”, sendo, pois, seu elemento essencial. Essa, entretanto, por si só, embora torne o negócio existente, não o torna válido, pois a sua validade pressupõe que a vontade seja livre e consciente, sem nenhum vício ou deturpação.

É sabido que as mensagens subliminares nos são enviadas a todo o tempo de forma astuciosa, através de recursos imperceptíveis aos olhos humanos, mas afetando sobremaneira o nosso subconsciente. Certo é, também, que essas mensagens entram em nossa mente sem permissão, agindo, segundo Calazans, “[...] como um vírus de computador que fica inerte, latente, só ativado na hora certa”. Atuam de forma oculta, abaixo do limiar da consciência, e acabam por influenciar em nossas escolhas e atitudes, motivando a posterior tomada de decisões.

Consubstanciando o fato de que a vontade é elemento essencial do negócio jurídico com o fato de que a mensagem subliminar é capaz de refletir em nossa livre manifestação volitiva, torna-se forçoso reconhecer que ela pode macular a vontade dos seus receptores, viciando, assim, o consentimento.

Ocorre que, muito embora as ditas mensagens se apresentem claramente como uma deturpação da vontade do agente, afetando seu consentimento quando da realização de um negócio jurídico, elas não se enquadram em nenhum dos defeitos destacados no Código Civil, malgrado se assemelhem a alguns deles.
Isso porque, na verdade, os chamados vícios do negócio jurídico, notadamente os vícios do consentimento, estão previstos pelo diploma legal civil vigente, caracterizados somente por erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo.

As mensagens subliminares não se enquadram no conceito de erro, pois este se caracteriza pela manifestação psíquica errada da realidade, isto é, o próprio sujeito não interpreta corretamente um fato, caindo em erro.

Também não se enquadram em dolo e, ainda que sejam uma forma odiosa com a finalidade de levar o declarante a praticar um ato jurídico, com gravidade do artifício fraudulento utilizado e como causa da declaração de vontade, não apresentam um falseamento da realidade. Em outras palavras, a título de exemplo, cita-se o agente que, sob os efeitos de uma mensagem subliminar da Coca-Cola, começa a comprar compulsivamente este produto. Embora tenha realizado o negócio jurídico na compra do refrigerante por uma atuação maliciosa e intencional da aludida empresa, sabia ele perfeitamente das qualidades e dos malefícios do produto, não havendo, portanto, um falseamento da realidade, o que caracterizaria o dolo.

Os subliminares, lado outro, poderiam se enquadrar em coação, não fosse o fato de que este vício deixa ao agente a opção de escolher se pratica ou não o negócio jurídico mediante a vis compulsiva, enquanto aqueles não lhe dão esse poder de escolha.

No que tange à lesão e ao estado de perigo, não há como comparar as mensagens subliminares com tais vícios, pelo próprio conceito destes, já que o primeiro trata do prejuízo conseqüente da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 360) enquanto o segundo se dá quando o agente, diante de uma situação de perigo – conhecido pela outra parte do negócio –, manifesta vontade para garantir um direito seu, ou de pessoa próxima, assumindo obrigação extremamente onerosa.

Assim, não obstante as mensagens subliminares remontem a um artifício intencional que macula a livre manifestação de vontade, não há, num primeiro momento, como enquadrá-la em nenhum vício do consentimento no negócio jurídico, pois tais defeitos já estão expressamente previstos no Código Civil.

5. Conclusão

Toda civilização tem por base o princípio da liberdade de escolha, do livre-arbítrio e autonomia privada. O núcleo das relações jurídicas, em especial dos negócios jurídicos, está na livre manifestação de vontade. De livre espontânea vontade se celebra um contrato. Espontaneamente, através da livre manifestação volitiva, se diz sim ao matrimônio. As eleições e o ato de votar estão estritamente atrelados à livre escolha, já dizia Calazans (2006, p. 236).

Nesse contexto, o plano de existência do negócio jurídico tem como um dos seus pressupostos a manifestação de vontade, sendo que esta, para que seja válida, deve vir consciente e livremente declarada.

As mensagens subliminares, ocultas, dissimuladas, vêm sendo maliciosamente utilizadas – na maioria das vezes por empresas com fins econômicos –, visando a venda de produtos e serviços. Apresentam-se como uma forma odiosa de deturpação da vontade dos indivíduos, maculando o consentimento na formação do negócio jurídico.

Com o presente estudo, pôde verificar-se que as mensagens subliminares, muito embora remontem a um vício na livre manifestação de vontade, não se enquadram em nenhum dos vícios do negócio jurídico previstos pelo Código Civil atual.

Em um primeiro momento, tais mensagens se assemelhavam ao dolo e à coação. Entretanto, analisando esses dois defeitos, constatou-se que, não obstante as semelhanças, eles tinham peculiaridades que os diferenciavam das mensagens subliminares.

Verificou-se ser o dolo uma forma astuciosa utilizada por um dos agentes com a finalidade de levar o declarante a praticar um ato jurídico, sendo necessária a gravidade do artifício fraudulento utilizado como causa da declaração de vontade que o levasse a erro. Nesse prisma, a mensagem subliminar, embora também seja uma forma maliciosa e grave, utilizada por um dos agentes para induzir o outro à prática de um negócio jurídico, não se enquadra perfeitamente ao conceito de dolo, pois, este, para sua configuração, necessita de um falseamento da realidade pelo prejudicado capaz de fazê-lo celebrar o negócio, enquanto as mensagens subliminares não.

A coação (moral), por sua vez, mostrou-se um vício do negócio jurídico que incute no agente um temor constante e capaz de perturbá-lo, a ponto de levá-lo a manifestar seu consentimento de maneira deturpada. Nela, o agente teria a oportunidade de escolher se pratica ou não o ato, caso em que, praticando-o sob ameaça, por estar a vontade turbada, o negócio seria inválido. É justamente nesta opção de escolha que as mensagens subliminares não se enquadram em coação, pois elas, por atuarem no inconsciente humano, não dão chances de escolhas aos indivíduos.

Com efeito, o que se conclui é que os vícios do consentimento estão previstos no ordenamento jurídico, mas não esgotam todos os defeitos existentes na manifestação de vontade. Bem verdade é que não poderia o legislador prever todos os atos que viciassem a vontade das pessoas.

É preciso ver que as mensagens subliminares, por afetarem a livre manifestação de vontade, devem gerar a anulabilidade do negócio jurídico, muito embora inexista expressa previsão legal para tanto. O que não se pode é referendar um negócio jurídico celebrado sob efeitos subliminares.

Países como Estados Unidos e Espanha já proíbem, em suas legislações sobre consumo, o uso das mensagens subliminares. De fato, o legislador brasileiro também já começa a volver os olhos para este artifício ardil. Para o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, já existe um projeto de lei (Projeto de Lei nº 5.047/2001, de autoria do ex-deputado federal João Herrmann Neto) – atualmente arquivado – que acrescenta o art. 37-A à Lei nº 8.069/90, vedando expressamente o uso da sensibilização subliminar na propaganda comercial veiculada às emissoras de radiodifusão de sons e imagens, nos canais de televisão por assinatura e em salas destinadas à exibição de filmes, tipificando, inclusive, o uso da mensagem subliminar, no art. 69-A do mesmo diploma legal, como crime contra as relações de consumo.
No Direito Eleitoral, mutatis mutandis, também é vedada a propaganda eleitoral subliminar.

Levando a sério o preceito constitucional de que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, surge, agora, a indagação no campo do direito civil sobre o que seriam as mensagens subliminares na teoria do negócio jurídico, considerando que elas, em um primeiro momento, não se enquadram no conceito de nenhum dos vícios elencados pelo novel Código Civil.

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